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Crônicas
11/11/2006 - 15h24
Coisas
Vanessa C. Vaz
 

No início, ela o chamava de animal de uma forma diferente. De noite, sussurrava no ouvido dele e ressaltava sua virilidade. Com o tempo, a palavra se banalizou. E ontem, quando foi embora, ela simplesmente o chamou de animal, de forma crua e desprezível. Disse que ele era parecido com os cachorros e os gatos. Pois, assim como os animais demarcam seus territórios com suas porcarias, ele fazia o mesmo ao deixar suas coisas usadas espalhadas pela casa.

Ele não sabe pra quê tanta organização. Pensa que essa mania de impor ordem nas coisas deve ser para esconder a desordem interior dela. Isso mesmo, ela não sabe o que quer. Um dia diz que o ama, noutro dia não quer mais o ver. Logo volta dizendo que não vive sem ele pra depois partir de novo. Na cabeça dele, ela pode voltar a qualquer hora. Foi por isso que resolveu arrumar a casa, para que quando ela volte, não brigue de novo.

É incrível como uma casa tem tantos lugares para guardar coisas: armário do quarto, gavetas, cabides, cabeceira, sapateira, estante de livros, escrivaninha, armário do banheiro, cesto de roupa suja, armário da cozinha, estante da louça, guarda-talheres, guarda-panelas, potes grandes, potes pequenos, fruteira, geladeira, freezer, varal pra roupa, armário da despensa... São tantas portas e gavetas para abrir e fechar! Deixar aberto algo é uma ofensa para ela. Como se as coisas precisassem ficar escondidas, fora de nossos olhos. “Será que ela me acha exibido porque deixo meus objetos pessoais á vista de todos?”, pensou.

“Quer saber, ela devia prestar mais atenção nas coisas dela e não nas minhas”. Ele acha que se ela observasse mais os objetos pessoais dela mesma, se compreenderia melhor. Se olhasse pra os seus sapatos, por exemplo, quase todos de salto alto que a elevam acima do chão, talvez reconhecesse o quanto é orgulhosa. Se reparasse nas suas bolsas, tantas que até parece coleção, quem sabe se ao invés de se preocupar com as sacolas desse valor ao que é carregado.

Essa reflexão dele funcionou até certo ponto. Até que ele chegou a acessórios dela dos quais não podia emitir opinião. Uns porque são tabus, tais como a pinça e o absorvente. Outros, simplesmente porque não entende o seu método de uso. Nunca compreendeu, por exemplo, porque ela leva mais tempo para colocar os acessórios do que para vestir a própria roupa. Por que coisas tão pequenas como brinco, colar, pulseira, anel, broche, cinto, grampo de cabelo, presilha, maquiagem, requerem tanta atenção?

Pensou: “E se tirasse as coisas dela, o que sobraria?” Viajou pelos arquétipos de Jung, passou pelo inconsciente de Freud e até pelo mundo das idéias de Platão. Chegou á conclusão que num primeiro olhar restaria o vazio, causado pela ausência das coisas que insistem em reviver na memória. Já num segundo olhar, o oculto viria á tona. E restaria simplesmente ela, do jeito que é, sem impurezas, sem substâncias estranhas a sua essência. E talvez assim, quem sabe, ele a pudesse ver de verdade...

Mas ela não o escuta, se recusa a soltar o cabelo, se recusa a tirar a maquiagem. Por isso partiu e até agora não voltou. Foi embora, mas não por completo, deixou pertences dela na casa. Um batom sem seus lábios, um par de óculos escuro, sem seus olhos... Calças que não caminham sem suas pernas... E um casaco que não aquece sem o calor do seu corpo. Coisas! Foi tudo o que restou dela.


Nota do Editor: Vanessa C. Vaz é jornalista.

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