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Crônicas
14/11/2006 - 07h20
Relendo o livro de Jonas
Luiz Guerra - Agência Carta Maior
 

Quando criança, não me causava o menor espanto ouvir que o enfezado profeta Jonas tinha passado três dias e três noites dentro da barriga de uma baleia, sendo depois disso regurgitado na praia, inteiramente curado de sua rebeldia e já então disposto a retomar a tarefa que lhe fora determinada pelo Senhor: ir a Nínive e anunciar a destruição da iníqua cidade.

Na época, muito novo, com toda a certeza eu ainda não tinha visto uma baleia, mas só podia ser um grande peixe, que é, afinal, o que dizem todas as traduções bíblicas. Depois de tantas noites carochas na cama de minha mãe, vibrando com as histórias de Andersen, Perrault e os irmãos Grimm, como duvidar da existência de um animal marinho que engole e desengole seres humanos?

Curioso como pareça, quando minha mãe contava que Jonas tinha composto uma prece no fundo das entranhas do peixe, eu o imaginava sentado a uma escrivaninha, em pleno salão cetáceo, bolando um texto que sensibilizasse o Senhor, mas, ainda assim, muito à vontade em seus aposentos. Mamãe me corrigia: a baleia era ensinada, mas era baleia; não tinha essa de ficar ali como se estivesse em casa, no bem-bom. Segundo ela, Jonas tinha sofrido o diabo naqueles três dias e três noites, tanto que sua oração fala, efetivamente, em morada dos mortos. E acrescentava: foi um castigo pela desobediência dele.

Desobediência. Palavra mágica.

Eis no que dá desobedecer não ao Senhor, mas à sua mãe. Não digo que, tão longe do mar, vá aparecer em Marechal Hermes uma baleia dessas, com fome de criança levada, mas há sempre um chinelo dando sopa por aí, doido para esquentar a bundinha de menino que joga lama na casa dos outros ou corre com cigarro aceso atrás das colegas do prédio. Não quero mais isso, meu filho. Ontem sua mãe morreu de vergonha na frente dos vizinhos, sem saber onde enfiava a cara. E por que mijou na porta da dona Joana? Sua madrinha teve de sair daqui com um balde d’água e um esfregão para limpar a casa dos outros, que vexame! E a gaveta da sua irmã, que você não pára de desarrumar para pegar os livros dela. Nem sabe ler ainda... Deixe os livros da garota em paz. Amanhã, já sabe, vamos devolver as bolas de gude do Bento, comprar uma pipa nova para o Rogério, mandar consertar o velocípede da Danúzia, que você quebrou...

Creio que foi a última vez que deixei mamãe me contar a história de Jonas. Até ali não sabia que podia render tanto. Não fossem as reticências...

Tinha começado, há pouco, a reler o pequeno livro do profeta, levado pelo desejo de fazer uma adaptação dessa narrativa, pois há muita riqueza de homem comum no personagem: a desobediência inicial, a tempestade em alto-mar, a provação no ventre da baleia, o auto-exame, a irritação pela profecia abortada, o carinho desproporcional pelo pé de mamona, o desalento, a depressão, e por aí vai. O fato é que comecei a rabiscar umas notas, e veio a crônica, de cambulhada, como dizia minha avó, trazendo-me uma gota de riso e uma grande onda de saudade.

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