Seis da tarde, tempo abafado, prometendo chuva. O trânsito segue caótico na cidade. Fuligem, buzinas, ambulantes e pedestres no cruzamento da Avenida Juscelino Kubitschek com Brigadeiro Faria Lima. Esbaforido, o homem aborda o taxista. - Tá livre? - Tô batendo lata. Pode entrar. - Me leva na Paulista. - Que caminho o senhor prefere? - O senhor escolhe o melhor. - Vou escolher o mais ou menos, porque melhor em São Paulo não tem, moço. Ou tem engarrafamento ou tem acidente ou tem obra. Às vezes tem manifestação também. - Tá quente hoje, né? - É, e vai chover. Aí estraga o trânsito de vez. Fica aquela confusão, e o cara do rádio torturando a gente: "190 quilômetros de engarrafamento na cidade, o motorista precisa ter paciência". - É um estresse, ainda mais pra quem passa o dia no volante como o senhor, né? - É, a gente fica aqui engaiolado e vê de tudo. - Acredito. - É motoboy, é ladrão, é madame, é polícia, é amarelinho, todo mundo guerreando, e a gente assistindo que nem no cinema. Um verdadeiro faroeste. - Mas às vezes o senhor também faz parte do filme, né? - Faço, e o pior é que chego em casa aos cacos, com pouca grana e não consigo dormir. - Mas por quê? Adrenalina alta? - Não, barulho. - De quê? - De tudo. Na Vila Matilde falta tudo, menos barulho. - São Paulo é uma cidade barulhenta mesmo. É assim em todo bairro. - Moço, o senhor mora nos Jardins? - Não, moro em Perdizes. - Sabia. Não conhece a Zona Leste. - Bem, na verdade já fui até a Mooca. - Ah, o senhor só foi até a fronteira. Pro senhor ter uma idéia, na Matilde se não chove falta água, se chove, morre gente. E os políticos, oh!, não tão nem aí. Tá todo mundo querendo é botar a mão na bufunfa. - O senhor mora em casa ou apartamento? - Casa. E é por isso que eu não durmo. É vizinho fazendo festa dia de terça-feira, é caminhão de lixo, é bêbado na madrugada fazendo xixi no portão da gente e atiçando a cachorrada, é gente pedindo comida, gente vendendo rifa, é o guardinha em cima daquela lambreta apitando que nem panela de pressão, é criança jogando bola de capotão e gritando que nem cabrito. Meu amigo, nem fazendo promessa pra Nossa Senhora da Periquita Verde dá jeito de pegar no sono. - Mas o senhor folga no fim de semana e descansa, certo? - Aí é que o senhor se engana. Domingo tem aquele programa de índio antropófago. Vêm a sogra, os cunhados, os sobrinhos, todo mundo querendo filar o macarrão com frango e assistir ao jogo do Corinthians tomando a minha cerveja. Lá em casa vira uma Bagdá e eu, um homem-bomba. - E o senhor não reclama? - Rapaz, minha mulher é mais braba que dois siris dentro de uma lata. Se eu reclamar, fico de castigo. Me entende? Fico uivando o mês inteiro, ela vira de costas e dorme. - Aí fica difícil mesmo. - Pois é. E se todo o problema fosse a família, tava bom. Dia desses, tava vendo o jogo e a imagem começou a tremer. Saí pra fora, pra mexer na antena, e peguei dois guris tomando banho na minha caixa d’água. Os putos ainda falaram: "pô, seo João, tá o maior calor". Tem cabimento? - Putz! Pode parar ali, na frente daquele prédio cinza. - Aqui tá bom? - Tá. Pode ficar com o troco - Obrigado. Fica com Deus. - Ah, posso fazer uma pergunta? Por que o senhor não muda da Vila Matilde? - Olha, moço, até pensei nisso, mas não dá. Aquele lugar me conhece. Nota do Editor: Ronaldo de Souza é jornalista há 27 anos, iniciou carreira no Jornal do Brasil. Em São Paulo desde 1982, trabalhou no O Estado de S. Paulo, na Folha de S. Paulo e na editora especializada em publicações de tecnologia IDG. Em 1989 fundou a S2 Comunicação Integrada.
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