Há uns anos fui à Feira do Livro de Miami, que ocorre mais ou menos nesta época, para uma palestra sobre cultura brasileira. Recebeu-me o assessor de imprensa do evento, que já tinha estabelecido uma programação completa: para começar, depois da conferência, deveríamos ir jantar num restaurante. Um convite que, cansado da longa viagem, tive de recusar. O rapaz insistiu, com um vigor que me surpreendeu; por fim, explicou que o jantar era importante - para ele. Naquele dia estava sendo lançado, nos restaurantes de Miami (e de todo o mundo), o Beaujolais Nouveau. Ele não podia perder o lançamento da nova safra do vinho. O que é compreensível. Enófilos fazem o possível e o impossível para degustar os vinhos de sua predileção. Este, aliás, é o tema do famoso conto de Edgar Allan Poe O Barril de Amontillado, que começa assim: "Suportei como pude as mil impertinências de Fortunato, mas quando ele partiu para o insulto jurei vingança". Essa vingança, que terminará com a morte de Fortunato, tirará proveito da paixão que a futura vítima tem por vinhos. Atraído pela promessa do barril de Amontillado, ele não sobreviverá para falar do vinho. Antigamente, as pessoas esperavam pelo Messias. Agora, esperam pelo Beaujolais. Mas, se vocês perguntarem a quem entende, descobrirão, com muita surpresa, que o Beaujolais não é o bicho: um vinho barato, de gosto às vezes duvidoso, que só ficou famoso por causa de uma muito bem orquestrada campanha de marketing, desencadeada a partir da França. A cada ano, e de acordo com uma lei francesa, o Beaujolais é distribuído na terceira quinta de novembro (este ano são 60 milhões de garrafas). O que acaba se tornando uma imposição para os aficionados. Todo mundo tem de tomar o Beaujolais novo. Há um jeito de escapar: é ser abstêmio, como eu. O que, aliás, poupou de um enorme desgosto o assessor de imprensa de Miami. Jantar com um cara que não bebe, no sagrado dia do lançamento do Beaujolais seria um desgosto pior que os insultos do Fortunato.
|