Lula é um case para cientistas políticos, marqueteiros, sociólogos, psicólogos, teatrólogos, comunicólogos e filósofos (com especialização em Ética), entre outros. Somente a convergência da atenção científica multidisciplinar poderá emitir juízo adequado sobre essa figura que emergiu na cena política nacional em condições de disputar cinco eleições presidenciais consecutivas num país populoso como o Brasil. Apedeuta (para dizer como o Élio Gaspary), Lula se faz seguir por um bajulador cortejo de acadêmicos. Sem qualquer experiência administrativa conseguiu ser, direto, sem escalas, presidente do Brasil. O único idioma que domina é um português sofrido e sofrível, mas trafega com razoável desembaraço nos circuitos internacionais. Situado, no plano cultural, degraus abaixo de muitos de seus pares e adversários, ele se impõe aos primeiros de modo indiscutível e leva de roldão os segundos. Olhos secos, levou às lágrimas as pessoas honradas de seu partido. Ao longo desta campanha eleitoral pude observar seu desempenho no palanque, em debates e entrevistas. No palanque, produz um discurso populista e astucioso. Perante jornalistas, assume tom professoral. Nessas ocasiões, sem que se saiba por quais malabarismos fonéticos, ressurgem os “esses" e os “erres”. Diversas vezes, aliás, caiu-me o queixo ouvindo-o discorrer, com segurança, sobre as obras do governo federal nos mais variados Estados. Participando de debates, consegue explicar o inexplicável. Estou convencido, portanto, de que esse enigma chamado Lula, na zoeira de seus gritantes paradoxos, é absolutamente incompatível com a “santa ignorância” (ou seja, a ignorância que salva da responsabilidade) que ele alega ter sobre qualquer coisa que o possa comprometer. Ninguém com sua capacidade de liderança, dedicação à política, competência para articular, sensibilidade para avaliar situações, conhecimento sobre minúcias de seu governo e tanta informação sobre os adversários, pode passar quatro anos sem saber o que acontece de grave no mais estreito círculo de suas próprias relações. Não se requer, aqui, nem mesmo, a alegação jurídica formal da “culpa in eligendo” (decorrente da má escolha de subordinados), nem se faz necessário invocar a ampla responsabilidade pessoal do candidato pelo que acontece em sua campanha. Basta vê-lo e ouvi-lo para perceber que é um azougue, perfeito sabichão sobre tudo que lhe interessa e o beneficia. E é exatamente isso que torna mais graves os fatos ocorridos em suas duas campanhas exitosas, em seu partido e em sua gestão. E é essa, também, a razão pela qual lhe é impossível alegar desconhecimento sobre a água, a farinha e o fermento de que são feitas as sucessivas fornadas de personagens que, periodicamente, saem da estufa de seu governo, como pães de uma padaria, direto para os inquéritos policiais e para as mais constrangedoras manchetes. Os talentos de Lula lhe permitem mentir com credibilidade e denegrir seus adversários de modo tão injusto quanto eficaz, com a mesma falta de remorso com que sacrifica seus amigos no altar dos interesses pessoais e afirmar, sem que isso provoque náuseas em que o assiste, que os pobres estão comendo filé mignon. Não, o enigmático Lula não inventou a corrupção, nem a sacralizou pela beatitude da santa ignorância. Mediante as artes e manhas de seus múltiplos talentos, ele a diamantizou, fazendo-a fulgurar sobre o veludo azul do inequívoco respaldo popular. Ele brilha e a nação se avacalha. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto e da Presidente Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública. Conferencista muito solicitado, profere dezenas de palestras por ano em todo o país sobre temas sociais, políticos e religiosos. Escreve semanalmente artigos de opinião para mais de uma centena de jornais do Rio Grande do Sul.
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