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SEÇÃO
Crônicas
28/11/2006 - 17h05
Palavra de inadimplente
Luiz Guerra - Agência Carta Maior
 

Não sei o que Zuleica viu em mim.

Se viu o que vejo todas as manhãs diante do espelho, é um verdadeiro mistério que tenha ficado tão entusiasmada comigo depois de uma ou duas horas de bate-papo.

Dinheiro, fora de cogitação. Não pode andar atrás de dinheiro quem conheceu o cronista na Igreja de Santa Edwiges, dia 16 de outubro último, oferecendo a essa famosa protetora dos pobres e dos endividados uma vela de 365 dias e assistindo às treze ou quatorze missas que foram rezadas naquela segunda-feira. Não sou católico praticante, mas o meu perfil riobaldo-tatarana em coisas de religião explica muito bem por que não dispenso nenhuma. Como dizia o outro em Grande sertão: veredas, eu também bebo água de todo rio.

Tinha saído no final da sexta missa para fazer um lanche, e encontro esse monumento nagô numa pastelaria ali próximo. Já sabem que adoro pastel de queijo com caldo de cana. Não foi outro o meu pedido.

Sentei-me a uma mesinha no caminho de um grande espelho no fundo da loja, abri minha mochila de dez tostões e retirei dali os Caninos brancos, de Jack London. Queria terminar logo essa novela do outro mundo para poder esquecer a brochura no banco do trem, quando voltasse para casa. Naquele momento, mal podia imaginar que dali a instantes Jack London iria cair nos braços de Zuleica, provocando toda a minha inveja.

Foi ela quem puxou assunto. Olhou para o adro superlotado da igreja, deu um suspiro de mulher bonita (não me perguntem como é suspiro de mulher bonita, só vendo) e disse na minha direção, mas sem deixar muito claro, lógico, que era comigo:

"O que a gente não faz para sair da merda!..."

Doeu. Mas não me soou vulgar. Não com aquela ruga estóica no entrecenho e aqueles olhos verdes cheios d’água, que um antigo fado português andou caluniando. Estava deprimida, muito deprimida, a mulata.

Hora de dar uma escovada nessa alma, pensei comigo.

"Veio também para todas as missas?", perguntei a ela, esboçando um sorriso. Mas sorriso de caloteiro involuntário, sempre defensivo e culturalmente amarelo.

Pois é isso, minhas amigas. Isto aqui é uma crônica e fato verídico, não há o que inventar.

Zuleica deu uma arqueada de sobrancelha deste tamanho ao ouvir minha pergunta, percebeu a ênfase em todas, e caiu numa risada tão gostosa que em questão de segundos estava outra; da água para o vinho, aproveitando o contexto.

Veio para onde eu estava e, pasmem, deu uma puxada carinhosa em minha barbicha grisalha, numa intimidade de velha companheira de infância. Quis saber o que eu estava lendo, disse que não lia nada, por falta de incentivo e de informação, ganhou os Caninos brancos de presente, falamos de mil coisas, comparamos o tamanho de nossas dívidas e rimos muito disso (ou ríamos ou dávamos um tiro na cabeça), trocamos telefones, e-mails, endereços...

Em suma, Santa Edwiges funciona mesmo. Cheguei ali tão pobre de grana, gastei meus últimos níqueis na vela de 365 dias e no lanche da pastelaria, rezei, pedi o possível e o impossível, e volto para casa com a sensação de haver encontrado um tesouro.

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