O presidente Luiz Inácio parece estar entusiasmadíssimo com sua "colizão", algo nunca dantes feito no país com a envergadura que ele está conseguindo. O PMDB, partido mais importante em termos numéricos, apresentou-se em peso ao balcão de negócios do governo, se bem que a natureza cambiante da política de modo geral, e do PMDB em particular, não permite certezas ou inclui lealdades. Outros partidos como o PSB, o PC do B, o PL, o PP, naturalmente o próprio PT e mais alguns também desejam participar da "colizão" como meio de alcançar cobiçados ministérios ou altos cargos. Estão todos sedentos de poder e o presidente, sem medo de se feliz, vai adiando a distribuição dos prêmios. Como animador de auditório ele diz: "quem quer ministérios?" Mas tarda a remeter o "aviãozinho", enquanto mãos frenéticas se levantam na esperança de alcançar a desejada recompensa. O termo coalizão tem vários significados. No sentido político, segundo o Dicionário Aurélio, quer dizer: "acordo entre partidos para um fim comum" (seria interessante saber qual o fim comum da imensa colcha de ganâncias que o presidente Luiz Inácio se propôs a costurar). Contudo, dada a afoiteza com que os partidos disputam regalias, o sentido econômico que o Aurélio dá ao vocábulo talvez sirva melhor para explicar o tipo de coalizão que está em curso: "consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, de caráter criminoso, para impedir ou dificultar a concorrência, visando o aumento de lucros arbitrários". Com a "concorrência", ou seja, o PSDB e o PFL, Sua Excelência não tem com o que se preocupar. Estes partidos durante seu primeiro mandato foram os mais leais a ele, os que o defenderam do próprio PT autofágico, treinado para disseminar a discórdia, habituado a tática de dividir para governar. Qualquer problema é só Luiz Inácio chamar as "oposições responsáveis", aquelas que não farão "oposição negativa", as que estão propensas ao diálogo e elas o protegerão. Qualquer resistência de membro oposicionista basta chamá-lo para uma voltinha no Aerolula. De volta das alturas do poder ele cairá de joelhos, rendido diante da majestade que lhe segreda coisas que o comum dos ouvidos jamais perceberão. O presidente reeleito sentou-se com Michel Temer (que foi oposição durante todo o primeiro mandato e até outro dia apoiava Geraldo Alckmin), com Orestes Quércia (que já foi denominado por Luiz Inácio de "ladrão de carrinho de pipoca") e com outras lideranças do gigantesco PMDB que, diga-se em nome da justiça, nunca usou o subterfúgio da ética para esconder seus desígnios de poder pelo poder. Da reunião nasceu a "colizão" ou adesão e todos saíram do Palácio do Planalto com sorrisos de miss para figurar nas fotos. Michel Temer, que comandou o espetáculo da coalizão, provavelmente no intuito de se manter na presidência do PMDB, poderá ser substituído pelo prestigiado ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, se este não ganhar um ministério. É que petistas costumam pagar com a destruição moral ou profissional a quem os ajuda. Recorde-se nesse sentido que o próprio presidente da República, o mais autêntico representante do PT, andou sacrificando até seus mais chegados companheiros para salvar seu precioso cargo. Se assim é com os amigos, o que poderá ele fazer com os que não são tão próximos? Temer também pouco poderá fazer em termos partidários, na medida em que a chamada Santíssima Trindade do PMDB, integrada por José Sarney, Renan Calheiros e Jader Barbalho, é que diz o que pode ou não podem fazer os peemedebistas. Entretanto, apesar de tudo aparentar um cenário róseo de entregas e salamaleques, no fundo ressoa a voz do PT, o verdadeiro partido dirigente que se encaminha para ser partido dominante. Assim, advertiu o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, "que só irão participar do governo de coalizão os partidos aliados que comprometerem ao menos 80% de seus votos no Congresso em favor do governo federal" (O Estado de S. Paulo, 23/11/06). Isto na prática significa a perda de autonomia do Legislativo que subserviente votará o que o Executivo mandar. Fica evidente o desequilíbrio dos Poderes e, com ele, o retrocesso democrático. Ao mesmo tempo, Sua Excelência pede aos governadores que só lhe façam oposição daqui a quatro anos. Enquanto partidos discutem sobre seu lugar na corte, Luiz Inácio confessa que não sabe o que fazer para, segundo sua expressão, "destravar o Brasil". Um atestado de que durante quatro anos ele não foi capaz de proporcionar o prometido espetáculo do crescimento nem o será agora. Mas como está reeleito fará o que bem entender. Se a situação piorar a "colizão" será responsabilizada. O presidente não erra, de nada sabe, nada vê e continuará a ser aplaudido por seus quase 60 milhões de eleitores. Nota do Editor: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
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