O dia só foi amanhecer já quase às oito horas da manhã. Pela madrugada, começou uma chuva intensa, com nuvens carregadas que escureceram o céu e, por isso, seu Heitor desligou o despertador, deu uma volta na cama para o canto onde houvesse menor incidência de luz. O galo com as penas molhadas só cantou as galinhas. Assim mesmo, sussurrando nos ouvidos. Elas, as galinhas, friorentas, se agachavam em cima dos pintos e se sacolejavam. Uma ou outra anunciava que havia colocado um ovo.

Seu Heitor não se preocupava, neste dia, com seu galinheiro. As filhas já haviam saído e, mesmo molhadas, as "franguinhas", como as chamava o seu Benedito da venda, chegaram sãs e salvas em sala de aula. A mulher, sempre apontada pela vizinhança fofoqueira como "piranha", nadou de braçada. Teve um bom pretexto, a chuva, para pegar carona em um dos carros que vinham no asfalto derrapante onde, de repente, o carro da paróquia parou. Não era o padre, era o seminarista, que a levou bem ao centro da cidade, ao centro da matriz, ao centro de seu minúsculo quarto, onde os dois, no centro da cama, puderam ter momentos de penitência.

Heitor, vendo o campo molhado, com o bornal de sementes, aproveitou o momento de trégua da chuva e enterrava feijão na cova, com o pensamento longe, grão a grão, dos quais pretendia colher pelo menos cinqüenta sacas por hectare. "E Bigail (a mulher dele) por que não está aqui acocorada comigo, enterrando o feijão?", perguntava para si próprio. "Pelo menos tivesse ela na igreja agradecendo a chuva, que aqui no Sertão é coisa rara, sereia de bom agouro", ponderou. Ele procurava imaginar onde estava Bigail. Deveria ter aproveitado para amar pelas sete da manhã, quando relâmpagos no pequeno quarto sem forro faziam-no parecer uma sala de cabaré, com aquelas luzes psicodélicas.

As duas filhas, Ritinha e Paulinha, correram para a roça a anunciar que já haviam chegado da escola, sãs e salvas, mesmo que a chuva naquele horário tivesse voltado a cair. E explicaram que tinham pegando uma carona no carro dirigido pelo seminarista, que brilhando de alegria, voltava da cidade. Seu Heitor borbulhou as idéias e advertiu: "Meninas, esses seminaristas de hoje estão perigosos, cuidado com essas caronas". As meninas o acalmaram e disseram que a mãe, Bigail, já vinha no carro quando elas entraram: "Menos mau", balbuciou Heitor.

De roupa trocada, pois a outra estava muito amassada, Bigail foi para os braços de Heitor, agora enxergando entre as nuvens as estrelas do céu e beijou-o como nunca. Heitor mandou as filhas para a casa da vizinha, fazer pesquisa escolar com outras colegas. Agora repetia a penitência diante da imagem caseira. Heitor, já sabedor que ela havia ido à igreja, perguntou: "E se ajoelhou?". "Não só me ajoelhei, como me curvei", respondeu ela. "E rezou?", ficou curioso... "Ajoelhou tem que rezar".

Notando a felicidade da mulher, em ter ido à igreja, Heitor, a cada dia chuvoso, ou por outro motivo qualquer, libera a mulher para ir ajoelhar e rezar. Empresta até o celular para ela pedir carona ao seminarista. Perguntado sobre essa maneira liberal de mandar a mulher ao átrio, ele diz: "Como é bom dividir as bênçãos". E quando Bigail retorna, ele pergunta: "Agradeceu por mim também?" Ela apenas sorri.

Nota do Editor: Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, DRT-398/BA, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia... É jornalista investigativo, escritor, poeta, e adepto do humor. Também conhecido como "Jornalista do Sertão".