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Crônicas
07/12/2006 - 14h23
Tudo a declarar
Euclides Farias
 

O reino das palavras, como bem drummondianamente poderia ser batizado todo e qualquer dicionário, abandona seu estado de aparente apatia moral para, vivo, inquieto e falante, mergulhar arrasador na política brasileira dos dias atuais. Profético, mestre Aurélio já nos prevenia, com uma única e reveladora palavra. Deputado, do latim deputatu, quer dizer, além de membro eleito de assembléia legislativa, "indivíduo comissionado para tratar de negócios de outrem".

Diferente do que pode sugerir o primeiro parágrafo, a crônica não tratará de negociatas, tema graúdo demais para comportar em gênero literário tão afeito às coisas miúdas e mais leves do cotidiano. Tratará, antes, de rápida incursão pelo duplo significado de palavras ou expressões consagradas pelo seu uso em sentido próprio, mas que, transportadas à política, metaforizam-se e ganham força de crítica mordaz a costumes e comportamentos.

Assim, "Mão dupla" não é apenas a convenção de trânsito que permite o ir e vir de automóveis numa mesma via. "Mão dupla", na seara política, seja nacional, seja paroquial, corresponde ao "toma-lá-dá-cá", supra-sumo do fisiologismo. "Comer mosca", que os sapos o fazem com grande apetite, equivale, em plenário, a cochilar, passar batido ou abster-se involuntariamente no momento do voto.

No parlamento, há outras expressões que também viraram lugar-comum. Lá, "bode" não é caprino, mas segunda intenção, segredo, mistério, de que os congressistas se valem, ao usar as palavras para esconder e não revelar movimentos, de olho no termômetro das reações contrárias ou favoráveis. No jornalismo, bordão que se aproxima disso é "balão-de-ensaio".

Já "bode-expiatório", inexistente no mundo real pela impossibilidade de se cobrar do caprino a expiação de pecados, ganha o significado de pessoa sobre quem recaem culpas alheias. É o "laranja", ingênuo ou não, mas sempre tão indigerível quanto o cítrico, se laranja-da-terra in natura.

Houve um tempo em que a política valorizava a palavra empenhada. Nada de "preto no branco", a assinatura passada em cartório. Bastava o "fio do bigode". O rito, talvez inaugurado por gente de bem, perdeu a graça quando passou a celebrar acordos "costurados" por "coronéis", desprovidos de patente militar, mas com poder de mando superior nos "currais". Nesses rincões, aliás, nada mais denunciador da indigência democrática do que o "voto de cabresto".

Em sentido figurado, raposa é político astuto, esperto, que nunca se confunde com sábio. Com breve passagem na cena política brasileira, "Marajá" caiu em desuso porque o político que banalizou a palavra também banalizou o cargo, transformando-se ele próprio numa espécie de potentado indiano, com seu jardim das mil e uma noites.

A lista de palavras ambivalentes catalogadas é longa, mas certamente incompleta, já que o vocabulário político é rico e está em permanente evolução. Os leitores, aposto, lembrarão de várias aqui não citadas.

Encerro com a expressão da moda. "Mensalão" é corruptela de "mesada", que, hoje com grave desvio de finalidade, é o suado dinheirinho que pais tanto usam para, de boa-fé, ajudar os filhos quanto, caso de muitos, para corrompê-los. Donde não será surpresa se alguns desses meninos ainda acabarem na política, porque todo gesto, para o bem ou para o mal, é pedagógico.


Nota do Editor: Euclides Farias é jornalista, 48 anos de idade e 25 de profissão, exercida em O Liberal, A Província do Pará, Agência Nacional dos Diários Associados e Rádio Cultura. Atuou, como freelancer, na Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde.

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