Políticos de esquerda me encantam (*). Faço justiça e reconheço-lhes o talento de conciliar radicalismo e adaptação aos novos tempos. Gosto de ouvir seus discursos nacionalistas. A tribuna se eterniza ao som das frases intrépidas de identificação com a classe popular. Andam pelo povo com a autoridade que carregam do passado. Foram dias difíceis, é de hábito lembrar. "Não tenho medo de nada, não tive medo da ditadura. Fui preso, torturado, exilado, não é agora que vou me acovardar". Bonito, não? Emociona... Organizam passeatas. Vestem a camisa do povo. Conquistam os microfones da mídia, cuspindo indignação e saliva. Falam "companheiro" várias vezes. Criticam as mordomias dos adversários. Gritam contra os liberais - monstros comedores de dinheiro. Prevêem o fim do mundo com criatividade de ofuscar João Evangelista. Estudam e discutem Gramsci e Trotsky, quando não estão com os filhos na Disneylândia. Escrevem livros e manifestos. Dão palestras nas universidades. Chamam os outros de desonestos. Lutam pela abertura de inquéritos parlamentares. Defendem os direitos humanos. Abraçam seqüestradores barbudos. Assobiam a Internacional... Reverenciam seus ícones a ponto de os considerarem indignos de ocupar outro cargo executivo que não seja o de presidente da República. Prefeito? Só se for o da cidade com o próprio nome do candidato, seguido do sufixo "grado". Paulogrado, Luisgrado... São boas pessoas. Querem mudar o mundo um pouquinho. Espíritos maniqueístas, mas só com os seus amigos e adversários. Jamais com a própria consciência. Políticos natos... A esquerda é uma usina de imposturas. Cravo-lhe este elogio em nome de meus pares direitistas. Reconheço-lhe o zelo pela imagem de toda a classe política. Pois são os sectários da esquerda que resguardam o conceito de que pode haver idealismo na vida pública. Por quê? Porque são discretos e disciplinados, lembram visitantes que "fazem cerimônia" para comer, mas que esperam, pacientes, o afastamento do dono da casa para se lambuzar com sofreguidão. Ágeis e vigilantes, estarão com a boca limpa quando o anfitrião retornar. E o guardanapo sujo nunca será encontrado. Divergências com eles, eu as tive. Mas só em público. É o que a sociedade espera. Visto por esse ângulo, o Congresso é como uma grande família de imigrantes italianos. Muita briga e muito afeto. E muitas manchas. De macarronada, é claro, nos jantares do Planalto Central. (*) Trecho do romance "Calixto-Azar de Quem Votou em Mim" (2000, O Artífice/MHW). Nota do Editor: José Paulo Lanyi é jornalista, escritor, crítico, dramaturgo, autor do romance "Calixto-Azar de Quem Votou em Mim", do romance cênico (gênero que criou) "Deus me Disse que não Existe", da peça "Quando Dorme o Vilarejo" (Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos) e da coletânea "Teatro de José Paulo Lanyi e Outros Loucos" (no prelo), todos da editora O Artífice.
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