Para mim a modernidade, entendida como a emergência filosófica do Idealismo, que gerou o marxismo e o positivismo, é a exata oposição ao cristianismo no Ocidente. Até então o Estado era algo pequeno, pesava pouco para os indivíduos e os deixava viver sua própria vida, só intervindo quando situações atípicas e violentas ocorriam. E a Igreja cumpria um papel duplo de moderação, ao indicar o código moral que valia para governantes e governados e vigiando o eventual abuso do poder temporal. É sintomático que Hegel, cuja filosofia é uma espécie de auge do Idealismo e que influenciou decisivamente tudo que aconteceu desde então, especialmente pela descendência marxista que gerou, tenha imaginado que o Espírito Absoluto estava encarnado no Estado. Se tivesse acrescentado a palavra "mal" - Mal Absoluto - teria acertado inteiramente. Mas não poderia fazê-lo porque o seu sistema filosófico levava ao caminho oposto, de imaginar que o Estado é o Bem Absoluto. Estava redondamente enganado. O cristianismo é o portador da verdade e dessa verdade fundou uma ética que, com propriedade, pode se dizer que está fundada no Direito Natural de raízes metafísicas. O Idealismo, ao migrar o conceito de Direito Natural para fundá-lo na Razão, caiu inexoravelmente no relativismo moral. O contraponto à extraordinária expansão do Estado foi o relativismo moral, que desencaminhou as multidões. O indivíduo deixou de ser a unidade fundamental para ser substituído pelo homem-massa, essa gentalha desprovida de senso moral e faminta do látego do Estado. E de sua ração diária. O verdadeiro gado humano. O Estado moderno, sobretudo o que emerge no século XX, é essa babá do homem-massa, essa criatura que não tem personalidade e nem senso moral. O homem-massa virou o joguete dos novos líderes que se apossaram dos controles estatais; antes da modernidade os governantes governavam pela graça de Deus e perseguiam os objetivos da Justiça. Agora tudo passou a ser um mero jogo, um vale-tudo pelo poder em que a única regra é não perder. A lógica tanto vale nas regras democráticas como nos regimes abertamente totalitários. Aquela elite ilustrada e esclarecida que governava desapareceu, dando lugar aos arrivistas mais desqualificados e mal intencionados. No século XX os exemplos abundaram, com Hitler, Lênin, Stalin, Mao, Mussolini, todos homens-massa elevados à condição de governantes. Mesmo na América não escapamos disso, com os Kennedy e sua laia. O monstro estatal ficou nas mãos dos novos sacerdotes que, em troca dos votos prometiam e davam às massas os meios materiais para que alargassem seus vícios, especialmente o da preguiça, bancado pelo ócio remunerado. Aqui mesmo no Brasil temos no momento um exemplo acabado, um governante-tipo que encarna o homem-massa: Lula. Na Venezuela vemos a triste figura de Hugo Chávez. Na Bolívia Evo Morales. E em Cuba a múmia assassina que se recusa e ir para o sarcófago, Fidel Castro, o perverso matador que escravizou um povo inteiro. É esse o paradoxo dos tempos, que toda a gente foi escravizado ao deus desse Mundo, o Estado. Ninguém mais é livre, à exceção daqueles empedernidos que carregam em si os restos de Israel e se recusam a fazer reverência a esse Saturno cego que é o Estado moderno. A única maneira de conseguir a liberdade é por meio da religião e, a partir dela, pela libertação do pensamento. É desolador ver que toda a Academia, que deveria ser o templo da liberdade, passou a ser uma mera produtora de escravos-sacerdotes para servir ao deus-Estado como casta governante. As classes empresariais só podem prosperar se fizerem reverência à Besta e com ela negociar. Negociar aqui não significa meramente comercializar, mas se submeter. Mais das vezes os burocratas estatais, os escravos-sacerdotes, são tomados como dirigentes de empresas privadas enquanto instrumentos para minimizar o látego da escravidão que eles mesmos portam, verdadeiros escudos humanos contra a Besta. As massas, estas estão crescentemente penduradas no Estado, seja enquanto empregados, seja enquanto aposentados, seja enquanto rebanho cuja vida é totalmente regulamentada. Desde o 11 de Setembro essa realidade ficou ainda mais dramática, com o dirigismo policial tomando conta de tudo, em todo mundo. A maldade política jamais foi tão grande. A manifestação do domínio estatal se dá em todos os níveis, mesmo quando as liberdades formais da democracia estão a viger. A atividade econômica depende do Estado, que mais das vezes absorve metade do PIB na forma de impostos, supostamente para ajudar a superar o pauperismo. Dá-se também pelos gastos: sem a genuflexão aos escravos-sacerdotes, a burocracia estatal, a vida econômica desaparece para os empreendedores. O sonho de qualquer empreendedor é conseguir um contrato com o Estado e bem sabemos o que significa isso. As histórias do "mensalão" puseram as vísceras expostas de como são construídas as fortunas, e não apenas no Brasil. Quando o Estado se agiganta as relações econômicas ficam politizadas e os empreendedores são obrigados a pagar, além dos impostos legais, os impostos privados, para a nomenklatura política e burocrática. A vida cotidiana virou um inferno. Hegel ainda podia falar de uma dialética entre o senhor e o escravo. Ainda havia senhores naquele tempo. Hoje não mais. Todos são escravos, embora tal condição não necessariamente implique em penúria econômica e castigos físicos, embora ambos não estejam descartados. Basta lembrar aqui o abortamento do desenvolvimento econômico potencial pelo simples fato de o Estado se apossar da maior parte da poupança gerada pela via dos impostos e desperdiçá-la com gastos inúteis e remunerações improdutivas de uma massa crescente de desocupados, de funcionários públicos a aposentados precoces, dos seguros-desempregos para aqueles artificialmente expulsos do mercado de trabalho, dos bolsistas que têm seu ócio indignamente remunerado. Outro sintoma é o encarceramento gradativo de uma parcela crescente da população. A quebra do código moral tradicional e o excesso de regulamentação criaram a cultura da delinqüência que os apressados sacerdotes do deus-Estado passaram a administrar. Os sistemas de Justiça, de polícia e prisional cresceram exponencialmente. O Saturno cego devora os filhos em que consegue pôr a mão. Episódios dantescos como os do Carandiru e o de Eldorado de Carajás ilustram como ceifar vidas é também uma rotina. As fotos dos prisioneiros nus dominados em presídios rebelados mostram que Saturno não é de brincadeira. É a máxima violência infligida, só superada pelas execuções sumárias. Dessa gente prisioneira uma parcela crescente são inocentes absolutos, seja por erros judiciários clamorosos, como no recente caso da mãe injustamente acusada e dar cocaína à filha recém nascida, passando por aqueles que tentam de alguma maneira escapar da tunga tributária, os novos encarcerados políticos acusados de não pagarem todos os óbolos compulsórios ao deus-Estado. Tem remédio? Acho que sim. O sistema como está montado, de roubo crescente das rendas das famílias, é intrinsecamente irracional e leva à crise econômica. E a vida vazia das massas alimentadas pela mamadeira estatal gera a questão existencial que, de maneira atabalhoada e não planejada, está trazendo as multidões para alguma forma de religião. A alma humana não tolera a mentira por muito tempo. E a verdade já está conhecida há dois milênios. Tem remédio, mas é triste constatar que será uma crise de proporções jamais vistas. O deus-Estado como está precisa ser destruído. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL - Associação Nacional de Livrarias.
|