O falecimento do General Augusto Pinochet marca o fim de toda uma era da história chilena. Em geral, jornalistas e acadêmicos referem-se a ele como Presidente "de facto" do Chile após a deposição de Allende em 11 de setembro de 1973. "De facto" por não ter sido "de jure", isto é, por não ter chegado ao poder de acordo com os mecanismos legais que dão sustentação à democracia. O paradoxal é que Pinochet, que não assumiu a presidência através dos meios legais, ao contrário de Allende, representava os desejos e as esperanças da nação chilena que se encontrava cada vez mais sufocada pela "via ao socialismo". Allende, eleito democraticamente, foi Presidente "de jure". Mas terá sido "de facto"? Afinal de contas, logo após a sua eleição Salvador Allende fez questão de declarar que não se considerava o Presidente de todos os chilenos. Com essa declaração, abdicou imediatamente de representar a sociedade. O que resta da política sem a representação? É possível analisar os acontecimentos políticos do governo de Allende (1970 - 1973) sem fazer menção ao desenlace em 11 de setembro de 1973 e ao período militar subseqüente. Porém, não é possível analisar o governo da Junta Militar sem entender a evolução da violência política, no Chile, que tomava força desde a década de 1960 e que atingiu seu ápice durante o governo de Allende. Dois erros básicos costumam ser cometidos com relação ao tema de Pinochet. O primeiro é destacá-lo do contexto político, econômico, social e jurídico em que o Chile vivia à época da deposição de Allende. O segundo, é descontextualizar o "golpe" militar chileno da dimensão internacional. Politicamente, Allende chegou ao poder através da fraude premeditada. Foi eleito democraticamente, é verdade, porém com apenas 36,2% dos votos válidos. De acordo com as regras do jogo eleitoral na época, como nenhum candidato obteve a maioria absoluta dos sufrágios, correspondia ao Congresso Pleno decidir entre os dois postulantes mais votados, que no caso eram Salvador Allende e Jorge Alessandri. A balança pendeu a favor de Allende, porém, mediante a assinatura de um documento, o Estatuto de Garantias Constitucionais, que determinava o compromisso de Salvador Allende de respeitar a Constituição e as Leis do país. Allende assinou no dia 24 de outubro de 1970 e exatamente nisso consiste a sua fraude premeditada: em entrevista a Régis Debray, no dia 16 de março de 1971 (publicada na revista Punto Final), Salvador Allende confessou que assinou o Estatuto por razões meramente táticas, pois "o que importava era tomar o governo". Alguém esperava diferente de um homem que, na abertura de um congresso de jornalistas, tinha dito que "o dever supremo do jornalista de esquerda não é servir à verdade, mas à revolução"? Esse era o compromisso de Allende, e não era para com a verdade. Não era para com a sociedade. Era para com o seu ideal revolucionário e, ao longo dos três anos em que esteve à frente da presidência do Chile, foram constantes os abusos do Poder Executivo que arrogava-se o direito de desrespeitar a "legalidade burguesa" pois nada - absolutamente nada - poderia opor-se ao caminho que levava à concretização do marxismo político no país. Economicamente, a gestão de Allende levou o Chile à ruína. A aplicação das "Quarenta Medidas Básicas" teve por conseqüência o colapso econômico do país. Através das "tomas" de propriedades rurais (muitas de pequeno porte) e de diversas indústrias, pisoteou-se o direito à propriedade privada. Houve intervenções do governo nas atividades bancárias e controle de crédito; manipulação do mercado acionário; expropriação e nacionalizações sem pagamento de indenizações; expansão extraordinária do déficit público; controle de preços e desenfreada emissão de moeda. O resultado não poderia ser diferente: hiperinflação, queda violenta na produção, acentuada diminuição dos investimentos, aumento do desemprego, distorções cambiais, desabastecimento e, finalmente, a bancarrota do país. Para construir o totalitarismo marxista e alcançar o planejamento central da economia, era necessário destruir as instituições econômicas burguesas, atacando todos os mecanismos de operação do livre mercado, principalmente o seu núcleo: a propriedade privada. No que diz respeito à sociedade chilena, o descontentamento fez-se presente durante todo o governo de Salvador Allende. Criminosos que participavam de atividades extremistas e que praticavam atos de terrorismo eram indultados pelo Executivo, o que provocou uma situação de profunda insegurança. Jornais e rádios que se opunham ao governo foram ilegalmente fechados. Jornalistas opositores a Allende foram ilegalmente presos. Grupos armados de extremistas de esquerda tinham ampla liberdade de ação, porém o direito de reunião dos cidadãos que não estavam ligados ao regime da Unidade Popular foi reprimido. Inúmeras pessoas foram aprisionadas por razões de índole política e houve flagelações, torturas e execuções sumárias de pessoas que se opunham à via chilena ao socialismo. Juridicamente, o governo de Allende violou repetidas vezes a Constituição e as Leis do Chile. A situação chegou a tal ponto que, no dia 22 de agosto de 1973, a Câmara de Deputados aprovou, por 81 votos contra 47, um documento onde as violações constitucionais do governo da Unidade Popular foram devidamente caracterizadas como sistemáticas. Houve usurpação das funções legislativas do Congresso, entraves à ação da Justiça, exercício abusivo do indulto, descumprimento deliberado de ordens de detenção, exercício de "juízos de méritos" diante de determinações do Judiciário, atentados contra o princípio de isonomia e contra a liberdade de expressão, utilização dos meios de comunicação do Estado para fins de propaganda e difamação de adversários políticos, violação da garantia constitucional do direito de propriedade, prática de flagelações e de torturas por razões políticas, infração da garantia constitucional que permite sair do país, reconhecimento por parte do Presidente de instituições populares destinadas a substituir os Poderes legítimos da nação e amparo de grupos para-militares, dentre outras violações. Foi nessas circunstâncias internas que a Junta Militar chegou ao poder em 1973. Com relação ao panorama internacional, vivia-se a Guerra Fria. O Chile, assim como toda a América Latina, estava na área de influência natural dos Estados Unidos. É claro que o Presidente Nixon opunha-se ao governo de Allende e seria ingênuo defender que não houve pressões dos Estados Unidos para o fim do governo da Unidade Popular. Porém, mais ingênuo ainda é acreditar ou defender que houve pressões somente da parte dos Estados Unidos. No contexto da bipolaridade a conquista do Chile e a implantação de um regime marxista, representava uma vitória importante para o bloco liderado pela União Soviética. Para garantir a concretização desse regime, armas foram contrabandeadas a partir de Cuba e houve treinamento de guerrilhas que agiram em território chileno. O KGB agiu em toda a América Latina e, naturalmente, também no Chile. Atualmente, sabe-se que o próprio Salvador Allende recebia pagamentos da União Soviética, através de Svyatoslav Kuznetsov, representante do KGB no Chile. Com a deposição de Allende, impediu-se que as instituições "burguesas" fossem destruídas. Quais eram essas instituições? O Estado de Direito, o respeito à vida, à liberdade, à propriedade privada, o direito à liberdade de expressão, o bom funcionamento da economia e a liberdade para escolher. Lentamente, o General Augusto Pinochet e os demais integrantes da Junta Militar começaram a reestabelecer a ordem. Talvez tenha sido muito lentamente e podemos, hoje, questionar o tempo que os militares permaneceram no poder. Há muitas coisas que devem ser esclarecidas com relação ao período militar. Houve vítimas inocentes, sem dúvida. Houve torturas. Houve abusos. Não se pode negar que, graças aos rumos que a economia começou a tomar durante o governo de Pinochet, o Chile ocupa, hoje, uma posição de destaque no continente. Contudo, moralmente é deplorável que pessoas inocentes tenham sido perseguidas, torturadas e assassinadas pelo regime militar. Não importa quantas, pois não é uma questão de número e sim de princípio. Ainda que tivesse sido uma só, ainda assim seria deplorável a partir de uma perspectiva moral. Porém, deve ser dito que a violência política no Chile foi provocada pela esquerda, já desde 1960. Na situação em que o país se encontrava em setembro de 1973, por mais que tenhamos consciência de que nenhum governo totalitário é desejável, devemos perguntar-nos se seria possível, na época, uma saída democrática para o Chile. Acredito que não. O processo revolucionário marxista vinha tomando cada vez mais força e, caso os militares não tivessem cumprido com o seu dever constitucional de depor o Presidente Allende, o Chile mergulharia no destino sombrio de tantos outros países que sucumbiram ao modelo marxista, com um saldo de mortos e desaparecidos muito maior do que o deixado pelo regime militar de Pinochet. Deve ser dito ainda que, dos aproximadamente 3.000 mortos deixados pelos militares, muitos não eram inocentes. Muitos morreram em confronto direto com as Forças Armadas, outros tantos estavam envolvidos em atividades para-militares e de terrorismo. Os militares realizaram prisões arbitrárias, o que devemos lamentar. Houve torturas, o que também deve ser lamentado. Houve violações aos direitos humanos, sem dúvida. Porém, durante o governo de Allende, conforme está devidamente evidenciado inclusive em documentos oficiais, também houve prisões arbitrárias, torturas, assassinatos políticos e violações aos direitos humanos. As vozes que, hoje, levantam-se contra Pinochet, não clamam por justiça. Clamam por vingança, por revanche. Se a motivação fosse o desejo de justiça, essas pessoas não se esqueceriam deliberadamente dos inúmeros abusos e das hediondas violações aos direitos humanos perpetradas durante o governo de Allende e sob responsabilidade direta do Poder Executivo, que se encontrava tomado pela Unidade Popular. A repressão das liberdades nunca é desejável. Allende reprimiu as liberdades. Também houve repressão durante o governo de Pinochet, porém sentia-se reprimido quem tinha algo a esconder ou quem estava envolvido em atividades de extremismo. Durante o regime da Unidade Popular, todos tinham razão de ter medo. Muita gente sofreu com o governo militar. Muita gente sofreu com o governo de Allende. Muita gente continua sofrendo em Cuba, na China, na Coréia do Norte e em outros lugares onde o sonho de Allende tornou-se realidade. O rompimento da ordem democrática no Chile, não ocorreu com a deposição de Allende em 11 de setembro de 1973. Ocorreu ainda durante o governo da Unidade Popular, quando as instituições nacionais foram traídas em nome da implantação de um regime de terror. Paradoxalmente, foram os militares que abriram caminho para a redemocratização do país. Talvez o maior legado de Pinochet para o Chile seja a liberdade econômica que permitiu que o país recuperasse as condições para o retorno à democracia. Dizem que pode haver liberdade econômica sem liberdade política. Contudo, não pode haver liberdade política sem liberdade econômica. Graças à aplicação dos preceitos de Milton Friedman e dos Chicago Boys, o Chile retomou o caminho do desenvolvimento econômico sustentável e, atualmente, é o único país da América Latina que se encontra no primeiro grupo do Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation - o grupo dos países livres. Com o falecimento de Augusto Pinochet Ugarte fica evidente que a sociedade chilena ainda está polarizada. É natural que os parentes de vítimas da ditadura militar reivindiquem o que lhes corresponde, mas seria interessante separar as vítimas inocentes dos criminosos que desejavam instaurar um reinado de trevas e terror. No que diz respeito às violações aos direitos humanos, muitas das supostas vítimas do regime militar agiam em franca violação dos direitos humanos mais básicos e naturais. Quanto aos partidários de Pinochet, que não se esqueceram do que foi o regime de Salvador Allende, é também natural que agradeçam ao General por ter livrado o país da ameaça marxista. Incluo-me nesse grupo, com as devidas ressalvas. O governo militar foi totalitário e, como tal, foi uma aberração política. Contudo, a alternativa significava a destruição total de toda a possibilidade de política. Apesar de totalitário, foi o governo militar - com todos os seus defeitos e apesar de tudo o que pode ser lamentado - que permitiu a restauração do Estado de Direito no Chile. Os militares sabiam que a liberalização econômica levaria, invariavelmente, à redemocratização do país. Talvez por isso tenham resistido às mudanças liberalizantes enquanto puderam. Dizia Lord Acton que "o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente" . Possivelmente não foi diferente no caso chileno. Porém, ao perceber que o modelo econômico liberal levaria à liberdade política, mas que também levaria ao bem-estar da sociedade chilena, Pinochet abraçou a causa da liberdade e defendeu as reformas econômicas. Durante o período de hospitalização de Pinochet, após o infarto sofrido uma semana antes de seu falecimento, diversas pessoas levantaram dúvidas acerca da real situação de saúde do General. Diante de sua rápida recuperação questionaram se não seria uma manobra para livrar-se dos processos judiciais. Não poderia esperar-se nada diferente desse tipo de pessoas. Os militantes e simpatizantes da Unidade Popular eram apelidados de "upelientos". O núcleo da mentalidade upelienta é o ressentimento social que pode ser constatado na virulência com que os detratores de Pinochet agora comemoram o seu falecimento. Atitudes dessa espécie apenas servem para evidenciar que os upelientos sempre foram e continuam sendo o rebotalho moral da sociedade chilena. Porém, independente do quanto gritem, pulem e se fantasiem, não poderão negar que o que mais lhes dói é saber que Pinochet morreu em paz, cercado de seus familiares, ao lado da esposa que amou por toda a vida e consciente de ter cumprido com o seu dever como militar e como chileno. A atitude do governo da Sra. Bachelet, que recusa as honras de ex-chefe de Estado ao General Pinochet, é apenas mais uma demonstração da deterioração moral e da pobreza de espírito e de caráter dos que hoje encabeçam o governo do Chile. No dia 25 de novembro de 2006, por ocasião de seu aniversário de 91 anos, Augusto Pinochet assumiu "a responsabilidade política" de tudo o que ocorreu durante o seu governo. Acrescentou, ainda, que suas ações não tiveram outro norte que não fosse engrandecer o Chile e evitar a sua desintegração. Esse foi o seu objetivo e a sua missão foi cumprida. Se hoje o Chile é um país livre e próspero (dentro do contexto latino-americano), isso se deve a Pinochet que combateu o bom combate, e não aos "free-riders" que agora se arrogam o que não construíram. Nota do Editor: Artigo publicado por www.claudiotellez.org, com o título "Adeus, General Pinochet".
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