Aproveitando que essa foi uma semana um tanto quanto, diria, estranha, quero pedir permissão aos irmãos Caetano e Oswald para tomar emprestado o título da singela quadra que agora ecoa entre as paredes do apartamento, enquanto me ocupo de minhas excentricidades. Pedindo também uma benção, escrevo no diminuto papel aquela frase, que trago há muito presa no peito. Leio com voz resoluta, dobro inúmeras vezes e enrolo em um pedaço de tecido verde, perfumado com uma pétala de flor. Isso era para ser uma crônica, ou uma poesia, mas se transformou em uma brincadeira. Tive uma lembrança remota de infância. Era um pequeno objeto, se bem me recordo, que minha madrinha me deu. Ela ainda vive; se a memória a acompanha, talvez se lembre. Um escapulário. Um pedaço de tecido, acho que era seda, verde, eu o lembro. Um minúsculo quadrado, cosido nas laterais com linha vermelha. Apalpando-o podia-se verificar que levava algo dentro. Obedeci temerosamente a promessa de nunca tentar ver o que era. Eu poderia ligar agora mesmo para minha madrinha e perguntar sobre o objeto. Mas fico com medo de ele nunca ter existido de verdade. Ou, simplesmente, ela jamais se recordar dele. Ou, ainda, de encontrá-lo intacto, em um lugar de onde nunca saiu. Corri até o bosque onde havia enterrado os livros. Depois de cavar muito mais do que lembrava ter cavado quando os escondi, encontrei a velha caixa. O pó que desprendia deles era a carne de suas próprias páginas, desfazendo a sabedoria de tantos anos. Cuidadosamente procurei pela imagem, até que o vi à minha frente: o escapulário verde de minha infância. E sua história escrita ali. As madrinhas, antigamente, tinham um velho costume, uma superstição, como dizem. Elas guardavam o umbigo de seus afilhados em um escapulário até quando eles próprios pudessem tomar conta deles. Lembrei-me da ocasião em que minha madrinha me entregou o pequeno amuleto verde. E de como o apertava com força quando algum medo me atormentava. Sempre funcionou. Só não consigo recordar o dia em que deixei de fazer isso. Termino de costurar as bordas do meu escapulário. Verde com costura em linha vermelha, como o recordava. Prendo-o a um fio de barbante colorido. Envolvo-o em meu pescoço. Ele não é exatamente um acessório moderno. Mas me agrada mesmo assim. Agora que já contei minha história, posso propor um jogo, um desafio: criar a Sociedade do Escapulário. Digamos que isso seja uma espécie de corrente: cada vez que encontrar alguém com um escapulário no pescoço, saberei que temos um segredo compartilhado. Talvez troquemos um sorriso e um piscar de olhos.
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