Fanático por futebol? Não, melhor seria dizer alucinado, desesperadamente obcecado por futebol. Assim era o Haroldo. Para todo e qualquer assunto, ele sempre encontrava uma forma de encaixar um termo, ou uma expressão associada ao mundo da bola. No começo, as pessoas achavam divertido, mas com o passar do tempo, chegava a ficar irritante. Mais irritante do que um zagueiro colado no atacante durante os 90 minutos de uma partida. Assim era o Haroldo. Sua chegada no bar já era característica: - Galera, estou na área. Se o assunto da roda era a situação política, não tardava em dar o seu palpite: - Para mim, este caso do mensalão vai ficar mesmo é no zero a zero. Se a conversa girava para a música, o Haroldo igualmente não perdia tempo em dar a sua opinião: - Falta entrosamento a esta banda! E, até mesmo na hora de lamentar a morte de um velho conhecido, ele encontrava uma forma de expressar o seu pesar: - Todo mundo tem o seu dia do apito final. Pouco se sabia de sua vida, a não ser que vivia sozinho e era um convicto solteirão. - Pudera, que mulher vai agüentar um cara desses -, indagava o Pacheco, dono do boteco onde Haroldo invariavelmente passava todas as tardes. Um belo dia, Haroldo não apareceu. E nem no seguinte, tampouco no outro. - Está namorando -, disse o Pacheco aos clientes. - E é com a Felipa, aquela loirinha filha do seu Adolfo. De fato, Haroldo estava apaixonado. Toda graciosa, Felipa tinha 23 anos, estava no último ano de Educação Física, corpo escultural, cobiçada por toda a faculdade e o que era o principal: adorava futebol. - Encontrei a mulher da minha vida. Impossível haver uma parceira melhor. Sabe Pelé e Coutinho? Bebeto e Romário? Diego e Robinho? -, suspirava o enamorado rapaz. O único problema era o velho Adolfo. Italianão das antigas, homem de princípios rígidos, era uma barreira às tentativas de ataque contra sua filha. Por mais que tentasse, Haroldo não conseguia fugir à marcação cerrada do futuro sogro e não havia jeito de se aproximar da zona do agrião. Por sua vez, Felipa seguia com determinação as ordens do técnico, no caso seu pai. - Só depois do casamento, Haroldo -, dizia todas as vezes que o namorado tentava infringir as regras do impedimento. Sendo assim, as noites do casal que antecederam o noivado e o casamento foram passadas na casa da noiva, sempre na frente da TV assistindo partidas de futebol, fossem elas de que campeonato fossem. Durante os jogos, Haroldo esquecia-se de seus desejos carnais, vibrava com as jogadas dos atletas e, principalmente, com os comentários de sua amada, que entendia como poucos marmanjos do assunto. - O técnico precisa alterar o esquema tático no intervalo e liberar mais os alas para proporcionar melhor apoio ao ataque -, afirmava Felipa, para concordância de todos os presentes na sala. Mas, enfim, chegou o dia da grande decisão e lá se foram os dois rumo ao altar com juras de eterno amor. Já em seu novo lar, Haroldo preparou-se como nunca para o momento tão esperado. Mas, quando saiu do banho, encontrou Felipa sentada no sofá, com um balde de pipocas ao lado, roendo desesperadamente as unhas. - Amor, senta aqui que já vai começar São Raimundo x Madureira. No dia seguinte, logo de manhã, Haroldo entra no bar do Pacheco e pede uma cerveja. Todos se espantam em ver o recém-casado e o dono do bar pergunta: - E aí, Haroldo, o que está fazendo por aqui essa hora? E a esposa? - Cartão vermelho, Pacheco, dei cartão vermelho. Nota do Editor: Guilherme Meirelles é jornalista, formado pela Faculdade Cásper Líbero. É diretor da FG Meirelles Comunicação e atua há anos em assessoria de imprensa e consultoria de comunicação. Trabalhou como repórter na "Folha de S. Paulo", "Folha da Tarde" e outras publicações. É colunista do portal Santista Roxo.
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