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Opinião
19/12/2006 - 17h07
Carta aberta ao deputado Aldo Rebelo
João Luiz Mauad - MSM
 

Eminente Deputado Aldo Rebelo

Depois de alguns anos, este humilde missivista esteve recentemente nos EUA para um ligeiro ’banho’ de modernidade - e algumas comprinhas, claro, porque ninguém é de ferro. (A propósito, deputado, não lhe parece que já é hora de alguém propor uma CPMI para apurar o porquê de podermos comprar virtualmente qualquer coisa na América - com exceção dos serviços - a preços menores que os praticados no Brasil, sobretudo em vista do fabuloso hiato existente entre os níveis de renda per capta dos dois países? Não seria o caso de o Congresso apurar as responsabilidades por tal descalabro? Não sei não, tenho a ligeira impressão de que os bravos deputados e senadores chegariam a conclusões aterradoras e desconcertantes). Porém, pedindo vênia pela breve digressão inicial, não é bem esse o assunto pelo qual atrevo-me a perturbar os afazeres de tão excelsa e proeminente autoridade republicana.

Logo na chegada em Nova York, tive oportunidade de viajar num trem suspenso, que interliga os vários terminais do aeroporto JFK, e uma coisa estranha (pelo menos para os padrões brasileiros) chamou-me a atenção: não havia ninguém conduzindo o veículo ou, pelo menos, ninguém que eu pudesse enxergar. O trenzinho andava sozinho, deputado, guiado por controle remoto ou por algum programa de computador que o fazia parar, acelerar, frear, abrir e fechar as portas, além de anunciar a estação local e a próxima parada. A máquina funcionava com a precisão de um relógio e, até onde eu pude apurar, na mais perfeita segurança.

Aquela experiência, um tanto bizarra para um viajante do terceiro mundo, fez-me lembrar de Vossa Excelência, preclaro deputado. Já explico. É que, dias antes da viagem, eu fora apresentado a uma relação de projetos legislativos de vossa veneranda autoria. Dentre outras propostas, as três seguintes chamaram a minha atenção em especial e, muito provavelmente, fizeram com que meus pensamentos se voltassem para a vossa nobilíssima pessoa naquele exato momento. São elas:

- PL. 2867/2000 - Proíbe a instalação de catracas eletrônicas ou assemelhados nos veículos de transporte coletivos;

- PL. 4224/1998 - Proíbe a instalação de bombas de auto-serviço nos postos de abastecimento de combustíveis;

- PL. 4502/1994 - Proíbe a adoção, pelos órgãos públicos, de inovação tecnológica poupadora de mão-de-obra (sic).

Por favor, deputado, corrija-me se eu estiver errado, mas a mim parece que os três projetos de lei acima mencionados têm o fito de evitar o desemprego e a substituição do homem pela máquina. São demonstrações inequívocas de profundo altruísmo que descortinam um homem público muito bem intencionado, merecedor de todo nosso respeito e apreço. Não obstante, pedindo novamente as devidas vênias pela petulância, tomo a liberdade de sugerir que V. Exa. pondere um pouco mais antes de prosseguir com essas, como direi?, legiferações benfazejas pois, como diria o velho Bastiat - aquele parlamentar francês do século XIX, o senhor sabe -, no longo prazo os efeitos desses nobres propósitos podem tornar-se bastante viciosos, voltando-se, como um bumerangue, contra aqueles que deveriam ser os principais beneficiários, como tentarei demonstrar.

Bem sei que já lhe tomo o precioso tempo em demasia, no entanto, rogo que acompanhe o raciocínio deste pacato cidadão brasileiro - cujo único desejo é contribuir um pouco para o debate de idéias - por mais alguns instantes.

Certa vez, um empresário ocidental, em viagem pela vossa saudosa China comunista, deparou-se com um grupo de aproximadamente 100 trabalhadores que construíam uma pequena barragem de terra, munidos exclusivamente de pás e enxadas. Antevendo uma possível oportunidade de negócio (como são gananciosos esses capitalistas!), ele comentou com a autoridade local que o acompanhava que, talvez, apenas um operário, com uma máquina escavadeira "bem baratinha" (conversa de vendedor, sabe como é), poderia executar toda aquela obra numa única tarde. A resposta do astuto oficial - mal escondendo um sorriso sarcástico no canto dos lábios - foi: "sim, mas imagine todo o desemprego que isso acarretaria". Informado dos reais propósitos da empreitada, o empresário raciocinou, sem nada dizer, porque estúpido não era: "Eu achava que estavam construindo uma represa. Se são empregos o que desejam, melhor seria que lhes tirassem as pás e dessem-lhes colheres".

De fato, deputado, num mundo sem leis econômicas e onde não houvesse escassez - puxa vida!? Como tudo seria tão mais simples sem essa maldita escassez, V. Exa. não concorda? -, jamais haveria desemprego, pobreza ou penúria, bastando que os governos (esses entes Altíssimos, magnânimos e inesgotáveis) colocassem pás e enxadas nas mãos dos desempregados, lhes pagassem para cavar grandes buracos e instituíssem salários mínimos compatíveis, digamos, com a dignidade do ser humano, para usar palavras caras aos abnegados das boas causas. O problema de tais políticas, se me permite o nobre deputado, é que elas invertem a lógica econômica trazendo, a médio e longo prazos, mais e mais pobreza, pois não é o trabalho que cria riqueza mas o contrário. É o investimento produtivo, a geração de riqueza, que cria trabalho.

É importante salientar - se Vossa Excelência ainda me permite uma última digressão - que não é qualquer investimento que gera riqueza. É preciso que o investimento seja lucrativo, que agregue valor à riqueza já existente. Investimentos a esmo, sem que se considerem os desejos e necessidades dos consumidores, tenderão sempre ao prejuízo, fazendo decrescer a riqueza existente. Da mesma forma, cobrar impostos dos indivíduos produtivos para fins assistencialistas, ou para manter privilégios de grupos de pressão bem organizados e articulados, ou ainda para execução de investimentos públicos mal orientados, desvia o fluxo natural dos recursos no mercado. Imagine, deputado, quantos projetos de investimento produtivos e rentáveis deixam de acontecer anualmente por conta da sanha arrecadadora do Estado brasileiro e sua cultura de privilégios e assistencialismo.

Ademais - permita-me um último argumento, pois bem sei que já abusei demais dos vossos preciosos tempo e paciência -, a história das economias desenvolvidas nos mostra que quanto mais próspera é uma nação, menor é o atributo "muscular" do fator trabalho e maior o seu componente "cerebral". Ora, para que haja gente disponível para as tarefas intelectuais, é preciso que, antes, as máquinas passem a executar o trabalho pesado, ainda que isso possa causar algum desemprego momentâneo e localizado. Nos EUA, por exemplo, ao contrário do que ocorre aqui, já não existem frentistas há bastante tempo e as bombas de gasolina são manuseadas diretamente pelos consumidores. Os ônibus urbanos também não têm trocadores e funcionam com as tais catracas automáticas (ou mesmo sem elas). Apesar de tudo isso, os índices de desemprego lá nos "States" - perdão, sei que V. Exa. não tolera esses anglicismos - ainda são a metade dos daqui.

Longe de mim pretender ser o dono da verdade ou ensinar o Padre Nosso ao vigário, deputado. Pode ser que esses raciocínios, fatos e evidências representem rigorosamente nada. Eventualmente, seriam apenas meras coincidências, eventos desconexos, sem qualquer relação de causa e efeito. Mas V. Exa. há de convir que, no mínimo, eles dão o que pensar. Então, humildemente atrevo-me a pedir-lhe que pense nisso, nobre deputado, antes de apresentar o próximo projeto de lei.

Sem mais para esta oportunidade, aproveito o ensejo para enviar os meus sinceros protestos de estima e elevada consideração.

Atenciosamente,

João Luiz Mauad


Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.

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