O Teatrinho Macabro já está montado e sabe-se de antemão quem é o vilão deste drama: o aposentado(a) que contribuiu durante trinta e cinco anos para a previdência e que, além de aposentar-se aos 55–60 anos, ainda tem a petulância de viver até os setenta anos, dando prejuízo não só por receber aposentadoria até tão longa idade como ainda por contribuir para a queda da qualidade do “quase perfeito” serviço de saúde. Jornalistas como Ali Kamel, Miriam Leitão e outros se juntaram ao economista Fábio Giambiagi para protestar contra a falência do sistema de Seguridade Social no Brasil, e o vilão, na unânime opinião deles, é o tal aposentado mencionado acima. Todos eles esquecem ou fingem não saber dos seguintes fatos: 1 – O coitado que hoje se aposenta aos 55 ou 60 anos com trinta e cinco anos de trabalho ingressou no mercado de trabalho no fim dos anos sessenta, início da década de setenta. Naquela época foi-lhe dito que ele deveria contribuir com oito por cento de seu salário, até um limite de dez salários mínimos por um período de trinta e cinco anos. Não lhe foi dada a opção de dizer que não queria submeter-se a tais regras nem lhe foi dado o direito de optar por um plano de previdência privada. Se questionasse o fato, ser-lhe-ia certamente respondido que os sábios que o governavam naquele tempo (como os de hoje) haviam decidido que aquilo era o melhor para ele, que deveria calar a boca e ir trabalhar. 2 – No decorrer dos trinta e cinco anos de trabalho ele viu as diversas entidades de seguridade social (IAPI, IAPC, IAPETEC e outros) se fundirem sob a explicação de que aquilo evitaria redundâncias e desperdícios, aumentando drasticamente a eficiência do sistema. Em respeito a quem contribuiu com os 8% de seu parco salário por quase toda sua vida, eu não vou relembrar aqui o que de fato ocorreu após a fusão dos diversos institutos de pensão e aposentadoria. 3 – Ainda no decorrer de sua vida profissional, ele, que religiosamente entregava todo o mês sua contribuição ao Governo, viu uma imensa massa de trabalhadores da agricultura passar a receber benefícios iguais aos seus, sem jamais haver contribuído com um Real (ou Cruzeiro, Cruzeiro Novo, Cruzado, Novo Cruzado...). 4 - Depois dos 35 anos de contribuição que lhe foram impostos em sua juventude, e cansado de tomar conhecimento de todos os desmandos de que foi vítima a seguridade social no Brasil nessas três décadas e meia, esse contribuinte é informado pelo Governo e pelos economistas de plantão que ele é um péssimo cidadão, pois além de se aposentar muito cedo ele ainda, numa falta de respeito por outros contribuintes, passou a viver mais, e dessa forma sabotando a fórmula perfeita tão habilmente engendrada pela burocracia oficial. 5 – Li o economista Giambiagi declarar que os benefícios dos aposentados deveriam ser corrigidos pela inflação e não acima dela. O sábio apenas esqueceu de explicar qual a fórmula mágica para fazer com que os remédios, a taxa de condomínio, a conta de luz e de água, o gás de cozinha, o IPTU, IPVA (6,5% de aumento em São Paulo), o seguro obrigatório para veículos (11,13% em 2006 em cima de 53,4% em 2005) o transporte público (15% de aumento em São Paulo), o sistema de saúde privado que ele paga - na verdade um luxo dispensável pois, como vimos acima, a assistência de saúde no Brasil é “quase perfeita” - aumentassem no mesmo percentual que a inflação. Como dizia o Bussunda: FALA SÉRIO! Quero aproveitar a oportunidade e pedir ao doutor Giambiagi, com seu inquestionável conhecimento das regras da economia, que ajudasse um amigo meu a resolver um “pequeno” problema: ele aposentou-se, por limite de idade, em 1994 com 6,4 salários mínimos. Hoje, decorridos quase 13 anos, tendo sobrevivido a planos econômicos e outros tipos de batida de carteira, perpetrados por governos dos últimos 50 anos, ele recebe R$ 877,00. Ao mesmo tempo, ele é obrigado a pagar uma pensão alimentícia de 1,5 salários mínimos, ou seja, hoje, R$ 525,00 que naturalmente a cada ano corrói mais sua magra aposentadoria. Resumindo a história: enquanto ele recebe cada vez menos do Governo ele é obrigado a pagar uma pensão estipulada em salários mínimos e que cresce acima da inflação. Entendeu a lógica? Não? Nem eu... 6 – O aposentado que, agora sabemos, é o grande vilão dessa história leu no jornal O Globo de 9/12/2006 que em uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União, as fraudes e toda uma série de patifarias desviam do INSS a quantia de 34 Bilhões de Reais ao ano (atenção revisão, é BILHÕES mesmo), quase que o valor do rombo da Previdência, hoje em torno de 37,5 Bilhões de Reais. Some-se a isso as Varig’s da vida que recolhem as contribuições dos empregados e não as repassam ao INSS teríamos uma seguridade social amplamente superavitária. 7 – Alguns anos atrás, salvo engano, li que 85% dos aposentados são oriundos da iniciativa privada e que representavam apenas 17% do montante pago à guisa de benefícios. Já os inativos do serviço público (militares incluídos) seriam apenas 15% da massa de aposentados, mas eram responsáveis por 83% dos benefícios pagos. Um bom exemplo do que estou dizendo é o Astronauta-camelô que se aposentou aos 43 anos de idade. Será que foi com apenas os R$ 2.800,00 que é hoje o teto para os oriundos da iniciativa privada? Não acredito... Para um melhor encaminhamento do problema seria de todo oportuno que se publicasse qual o valor per capita dos benefícios pagos aos aposentados do setor privado, do Executivo, Legislativo, Judiciário e das Forças Armadas. Peço, por favor, que se alguém tem os dados mencionados acima atualizados que me envie através deste site. 8 - Um fato da maior relevância e que jornalistas, economistas e técnicos do Governo ignoram solenemente é a quase impossibilidade de conseguir um novo emprego aqueles que têm a infelicidade de perder o seu emprego após os 45 anos de idade. Para não entediar o leitor vou citar aqui apenas três casos: A – Em 28/11/2006 o Jornal da Band mostrou uma entrevista com uma ex-funcionária da Varig, com um salário de R$ 1.900,00, foi mandada embora depois de 27 anos de trabalho. Hoje essa senhora sobrevive trabalhando como faxineira com um rendimento médio de R$ 400,00 mensais. De que forma aquela senhora, com tal rendimento, vai poder contribuir pelos três anos restantes de forma a aposentar-se com o mesmo benefício que teria se continuasse a contribuir sobre os R$ 1.900,00? Ela recolheu sobre R$ 1.900,00 por 90% de seu tempo como contribuinte do INSS e irá se aposentar com quanto? B - Um amigo meu, que é head hunter, contou-me que tem como ponto de honra enviar sempre um currículo de uma pessoa com mais de 50 anos cada vez que lhe pedem alguém para colocação. Sabe o ilustre leitor quantos candidatos, nesta faixa etária, ele conseguiu colocar em quase 10 anos? Nenhum!!! C - Em 1999 a filial brasileira de uma grande multinacional americana fez uma de suas costumeiras reduções de quadro. Quando a notícia vazou para os jornais e foram questionar a empresa sobre o fato, um dos diretores declarou, (se não estou enganado à Coluna do Ancelmo Góis) que não se tratava de uma redução de pessoal, já que eles estariam apenas substituindo os demitidos por “sangue novo” (sic). Duvido que na sede da companhia nos Estados Unidos alguém teria coragem de admitir tal procedimento, de vez que, na época, a empresa enfrentava um duro processo por parte dos funcionários negros devido a uma alegada discriminação salarial. Será que o problema da Previdência Social no Brasil não é muito mais conseqüência das malversações, desvios de dinheiro, mutretas, patifarias e quejandos praticados por funcionários do órgão e por patrões sonegadores, do que devido ao fato de aposentados viverem um pouco mais que o desejado por jornalistas, economistas e governantes? Não será o caso de se criar vergonha na cara, aprimorar a máquina arrecadadora e botar na cadeia os fraudadores, em vez de responsabilizar quem trabalhou duramente por trinta e cinco anos de sua vida como contribuição pessoal à construção de um país melhor? Nota do Editor: Peter Hof é administrador de empresas e escritor.
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