12/09/2025  04h09
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Crônicas
23/12/2006 - 09h03
Perdão, Nivaldo
Moacyr Scliar - Agência Carta Maior
 

Faz parte de nossa cultura dormir até mais tarde nos domingos de manhã, particularmente quando na véspera a gente foi a uma festa, a um jantar, ou quando ficamos assistindo a um filme madrugada adentro. O costume é tão arraigado que, quando toca o telefone no domingo de manhã cedo, nossa primeira reação é de irritação: quem será esse chato? E quando, como aconteceu no meu caso, trata-se de telemarketing - essa técnica de venda por telefone que se propaga cada vez mais - a irritação pode se transformar em indignação. Pois foi o que aconteceu comigo: o telefone tocou cedo, eu atendi e do outro lado uma voz começou a dizer: "Meu nome é Nivaldo, e eu falo em nome dos cartões de crédito".

Não sei em nome de que cartões de crédito falava o Nivaldo. E não sei pela simples razão de que o interrompi bruscamente. Habitualmente sou um cara paciente (a formação médica me ensinou a ouvir pessoas) e aberto para o que os outros têm a contar (isto corre por conta do escritor), mas àquela hora da manhã, o meu Id (aquela parte de nossa personalidade que representa os instintos mais primitivos e grosseiros) tomou o lugar do Superego e do Ego e falou mais alto. Disse ao Nivaldo que não estava nem um pouco interessado em seus cartões de crédito, que aquilo não era hora de ligar e desliguei.

Tão logo desliguei me senti culpado. Claro, culpa é parte da tradição judaico-cristã e nos acomete quando menos esperamos, mas a verdade é que ali havia um motivo para me sentir culpado. Do outro lado da linha estava (melhor: tinha estado) alguém chamado Nivaldo que telefonara para vender alguma coisa. E telefonara, obviamente, movido por uma necessidade pessoal: a vida não está fácil, o desemprego grassa no país, o Nivaldo precisa ganhar o pão de cada dia para si e talvez para os seus. Tentei argumentar, para mim próprio, que esta iniciativa precisa incluir um mínimo de bom senso, que o Nivaldo poderia prever que um chamado feito àquela hora só poderia resultar numa recusa; mas, será que o Nivaldo não sabe disso? Será que o Nivaldo não precisa me ligar mesmo sob risco de ouvir coisas desagradáveis?

Não tenho respostas para estas indagações. E não tenho resposta porque desliguei. A irritação falou mais alto e, pior, não foi sequer compensadora. Acabei levantando da cama para ir ler a Zero Hora. Muitas notícias interessantes ali, mas nenhuma falava no Nivaldo. Que permanecerá, para mim, uma incógnita, como as muitas outras incógnitas da vida. Que está presente em tudo. Até no telemarketing.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CRÔNICAS"Índice das publicações sobre "CRÔNICAS"
31/12/2022 - 07h23 Enfim, `Arteado´!
30/12/2022 - 05h37 É pracabá
29/12/2022 - 06h33 Onde nascem os meus monstros
28/12/2022 - 06h39 Um Natal adulto
27/12/2022 - 07h36 Holy Night
26/12/2022 - 07h44 A vitória da Argentina
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.