Fábula do sapo e do escorpião
Acredito que todos conheçam a fábula do sapo e do escorpião. Nessa história, um escorpião precisava atravessar um rio, mas, como não conseguia, pediu a um sapo que estava por ali que o levasse para a outra margem. O sapo respondeu que nunca faria isso, pois conhecia os escorpiões e temia que ele lhe desse uma ferroada durante o percurso. O escorpião disse ao sapo que isso nunca iria acontecer porque, se fizesse isso, os dois iriam morrer. O sapo se convenceu do argumento do escorpião e o colocou em suas costas. Durante a travessia, o escorpião deu uma ferroada no sapo, que, agonizando, perguntou: "Mas você não disse que não iria fazer isso? Agora vamos morrer os dois!". No que o escorpião responde: "Desculpe, é meu instinto!". Essa história ilustra bem um ponto fundamental quando se fala de incorporação da Responsabilidade Social (RSE) na gestão das empresas: para a maioria delas, "o instinto" natural é de uma gestão focada em seus próprios interesses e resultados, sem que aspectos sociais e ambientais mais amplos sejam levados em conta. Esse "instinto", que busca a satisfação de resultados restritos ao trimestre, não reconhece que, no longo prazo, é importante preservar e promover a sociedade e o meio ambiente para que seus próprios resultados possam se manter no futuro. Com certeza, caso o escorpião decidisse não ferroar o sapo, ele poderia continuar sua vida depois que chegasse à outra margem. Em vez disso, olhou para a satisfação imediata, seguiu cegamente seus instintos e acabou perecendo. O que vemos hoje no mundo (pobreza e desigualdade insustentáveis, aquecimento global, corrupção etc.) também é fruto de práticas gerenciais míopes, focadas no curto prazo. Para reverter esse cenário, e fazer com que toda a comunidade global possa vislumbrar um futuro mais sustentável e justo, a RSE torna-se não importante, mas fundamental. Esse "instinto" empresarial não aparece por acaso, pois a própria lógica de mercado impulsiona as empresas no sentido contrário ao da RSE. Competição, carga tributária excessiva, globalização, cobrança dos acionistas: tudo isso cria um ambiente que desestimula estratégias de negócio baseadas na RSE, que são mais demoradas para maturar e não impactam meu trimestre. Mas, acredite: elas impactam sim! Uma gestão socialmente responsável somente pode ser conseguida com esforços firmes e coordenados nesse sentido. A geração espontânea não existe nesse caso e a empresa deve buscar de forma intencional incorporar em suas análises ingredientes sociais e ambientais, ampliando seus parâmetros de sucesso para além da componente econômica, sem, é claro, desconsiderá-la. Afinal de contas, se não existir meio ambiente saudável e cidadãos com renda para comprar produtos e serviços, também não existirão empresas lucrativas. Para se atingir consistência em termos de RSE, um aspecto é absolutamente fundamental: o comprometimento da alta administração da empresa com o tema. Sem um compromisso e envolvimento genuínos, a RSE ficará no discurso, sem maiores impactos nos negócios. Tenho visto muitos executivos queixando-se por sentirem-se com um Dom Quixote dentro da empresa, já que nem sempre seus pares e o presidente da organização aderiram à idéia. O que ocorre em casos assim é que a RSE não avança na cultura organização, que acaba frustrada por ter investido recursos valiosos, sem resultado. Porém, se não há compromisso com o tema, como haverá resultado? É bastante comum a rotatividade em cargos mais altos dentro das empresas. Muitas vezes, um CEO é contratado e vê sua nova empresa como um trampolim para uma outra posição que considera mais interessante. A partir dessa idéia, desenvolve todo um conjunto de estratégias de curto prazo para valorizar a empresa e seu próprio "passe". E, normalmente, essas estratégias não estão alinhadas com a RSE. Em um cenário desse tipo, fica realmente difícil pensar em incorporar a RSE na empresa. Porém, há espaços importantes para que um CEO possa contribuir para a melhoria do desempenho de sua empresa através das premissas da RSE. Seria certamente inovador e valorizaria muito mais o executivo perante o mercado, já que as questões da RSE e do Desenvolvimento Sustentável estão se tornando temas centrais no mundo e quem está apto a lidar com eles ganhará pontos importantes. Chegou a hora de os CEOs perceberem a sua responsabilidade nesse processo e darem sua parcela de contribuição. Nota do Editor: Marcelo Linguitte é diretor-gerente da Terra Mater Empreendimentos Sustentáveis. Atuou durante 8 anos no Instituto Ethos nas áreas de Relações Empresariais e de Relações Internacionais e Institucionais.
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