Nos idos de 1980 havia um avô, grande, perto dos 2 metros de altura e próximo de sete décadas de vida e um neto, de 80 centímetros, e com míseros doze meses nascido. O avô, um típico baiano, calmo, sereno e trabalhador; o neto, arteiro, andarilho e danado. Os dois tinham algo em comum, se completavam. O avô corria com dificuldade física atrás da serelepe criança, que ria como se aquilo fosse a extrema importância de se viver. Essa criatura conseguia distrair esse velho cansado após a sua refeição diária. Esse mesmo idoso, com suas mãos gigantes, pegava esse neném e o colocava entre os braços e o transformava numa pequena aeronave. Mas o pequeno rapaz dispunha de uma energia tamanha que poderia ser equiparada com uma turbina de um pequeno jato. Corria, corria, para quase voar, mas também para passar por debaixo da cerca que separava a sua casa dos vizinhos orientais. O avô ficava indignado com a rapidez e desenvoltura daquela criança de pouco mais de um ano de vida, que sabia o que queria a qualquer hora do dia. Corria, corria, caia, levantava e chorava. O avô, conhecido pela sua calma e adoração pelos netos que seus filhos cismavam em presenteá-lo anos após anos, recebia esse herdeiro de braços abertos e feliz da vida. Carinhoso e cuidadoso com o seu rebanho, como um animal que defende a sua cria. Mas este neto, que nascera bissexto, e das pernas compridas e tortas, cismava em bailar com o avô no grande quintal. Lembrava o desenho animado de Tom e Jerry, o gato que corre desesperadamente atrás do pequeno roedor. A cena lembrava, mas o Jerry sempre se saia bem na história, mas aqui o Tom sempre conseguia o seu objetivo, pegar o pequeno e valente e acalmá-lo com uma nova tática: a palmada. O homem, que demorou três dias em cima de um pau-de-arara para chegar na capital paulista, criou 10 filhos, sem nunca ter levantado a mão, começou a perder a velha e boa paciência baiana. A pequena criança não entendia a vida, apenas fazia o que o seu instinto primitivo mandava, mas na vida também existem crianças atentas, obedientes e calmas. Esse não era o seu caso, a vida parecia ser uma roda gigante de emoções e fugas desarticuladas. O tempo passava e o velho sentiu um novo sentimento: o nervosismo. As palmadas e as palavras de ordem começaram a soar com maior freqüência. O alvo: o pequeno. A criança abria os pequeninos olhos puxados - ninguém sabe até hoje de quem esse menino bissexto herdou esses traços - e não entendia nada. A família começou a estranhar as pronúncias exacerbada do velho contra o pequeno. O velho gritava, a criança corria, o velho batia, a criança sorria, o velho parava, a criança corria e passava na pequena entrada para o vizinho. Muitas vezes o pequeno ficava entalado na passagem secreta. O velho, com a sua atenção especial, o deixava ali por um certo tempo. A mãe ficava na parte baixa do quintal familiar, a avó realizava as tarefas de casa, o pai trabalhava. O pequeno de pernas tortas tinha no avô a sua companhia e os primos mais velhos para se divertir na casa. Mas o pequeno cismava em se aproximar do velho para sentir aquele prazer de ouvir aquelas frases, na sua cabecinha aquilo deveria ser uma brincadeira ou parte do seu novo mundo. O velho viveu poucos meses após descobrir o novo sentimento e o menino ainda vive, mas hoje o menino não corre, não anda, não fala, o menino apenas se conecta no tempo e vive aquela história de gato e rato ou do menino e o velho. Nota do Editor: Wilian Novaes é jornalista.
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