Em meados de dezembro saí em férias da cidade e, ao regressar na segunda semana de janeiro, soube de uma história... Não sei se alegre ou triste, talvez alegre e triste a um só tempo, mas acima de tudo tocante. Tocante, porque se refere ao imbatível poder da inocência para reanimar criaturas já vencidas pelo desencanto. Tal aconteceu a um grande amigo que, em estado de desespero, recebeu a visita do anjo. E se salvou! Marido dedicado a uma esposa que tinha olhos apenas para ele, perdeu-a subitamente duas semanas antes do Natal, vítima de um desses males cardíacos, e seu único desejo era, então, meter uma bala na cabeça. Só não o fez, porque caberia a ele cuidar do filho de cinco anos, a quem pretendia surpreender na noite santa. Para tanto, chegou a comprar uma roupa de Papai Noel para se fantasiar durante a entrega dos presentes. A viuvez, no entanto, não lhe dava ânimo para nada e, no auge da apatia, chegou a revelar ao filho que o velho Noel não existia, era pura invencionice de gente desocupada que gosta de iludir as criancinhas. Mas o menino era mais esperto e descobriu a fantasia vermelha amarfanhada no fundo do armário. Assim, na noite de Natal, enquanto o pai choramingava na penumbra da sala, o filho começou a se vestir. Primeiro, a calça, cujas pernas ele meteu dentro das botas. Depois, a jaqueta, a peruca branca, o capuz, o bengalão e, por último, a barba que, grande demais para seu rosto, caía sobre o peito como um babador. Assim arrumado, ou tão arrumado quanto conseguiu, saiu do quarto e entrou na sala de braços abertos para surpreender o pai com a boa nova: Papai Noel existia, sim! E, de uma corridinha só, se jogou no colo dele. Do desencanto, o homem emergiu radiante e emocionado para um estado de graça que lhe aliviou o desamparo: abraçado ao seu neném-Noel, recebeu o melhor presente de Natal: a esperança em melhores dias. Porque, afinal, tudo passa. O que fica é o sentimento, essa capacidade de se emocionar, de abraçar o próximo e desejar simplesmente um "Feliz Natal". Isso mesmo: um "Feliz Natal" para todos nós. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca, 54 anos. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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