12/09/2025  00h51
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Opinião
03/01/2007 - 07h06
Cinema do Estado
Ipojuca Pontes - MSM
 
"O cinema está no ramo da prostituição" - Ingmar Bergman

Um dos atos que mais prezo na minha breve vida de homem público foi ter ajudado o presidente Collor de Mello, eleito com 35 milhões de votos, a liquidar a Embrafilme, antro de corrupção criado em 12/10/1969, em pleno vigor do AI-5, pela Junta Militar que tomou conta do País. Assumi o cargo de Secretário Nacional da Cultura em 1990 mas já tinha acompanhado por tempo considerável a ação da Embrafilme no meio cinematográfico, quando, então, como observador atento, tomei consciência da corrosiva deformação que o Estado representa, com o seu intervencionismo coercitivo, em qualquer atividade humana.

No caso do cinema brasileiro a intervenção estatal significou a emergência do mais deslavado clientelismo, viciado no dinheiro fácil dos subsídios oficiais, socialmente irresponsável e economicamente doente centrado, invariavelmente, na apropriação pelo privado, do bom resultado, e na socialização pelo contribuinte, do prejuízo. De fato, para se espargir à sombra da Embrafilme, o chamado "cinema de autor", precisava mais e mais das benesses dos cofres públicos, deixando de ser uma atividade de mercado e lazer, para se firmar de forma punitiva para o contribuinte, como oneroso fato político. Ocasionalmente, um ou outro filme poderia obter boa renda de bilheteria, mas tal coisa nunca significou que o cinema se tornasse auto-sustentável ou prescindisse do dinheiro público.

(A Embrafilme, sempre deficitária, foi extinta por Collor ao lado de vários penduricalhos tipo IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e IBC (Instituto Brasileiro do Café) depois da divulgação de inúmeros escândalos e de pesquisa de opinião feita pela Agência Razões & Motivos, de São Paulo, em que a estatal do cinema foi tida pela opinião pública como uma "empresa corrupta, antro de politicalha, funcionando para uma panelinha de cineastas").

Ademais, ao levantar a história do cinema nacional - desde a primeira exibição do "omniographo" no Brasil, em 1896, até a emergência do admirável "boom" do cinema de mercado (comédia erótica), no início dos anos 70, percebi que todas as conquistas importantes da atividade, passando pelos filmes da Cinédia, Atlântida, Vera Cruz, Cinedistri, Herbert Richers, os ciclos da chanchada, Comédia Erótica ("pornochanchada"), parte do Cinema Novo, sindicatos, laboratórios, cadeias de exibição, a Palma de Ouro - tudo, enfim, levava a marca de empresários que corriam riscos e que conquistaram o público para o cinema brasileiro livre das pesadas correntes da grana fácil do Estado predador e sua burocracia parasitária.

No histórico, a Embrafilme torrava com "filmes de autor" e a burocracia estatal cerca de US$ 30 milhões anuais. Havia sempre um quebra-pau entre "tubarões" (Luiz Carlos Barreto e aliados) e "golfinhos" (tipo Luiz Paulino dos Santos e outros) na disputa pelos recursos sempre escassos em face das ambições dos "tubarões", pois eles embolsavam o grosso da grana sob a retórica da "conquista do mercado externo", um sumidouro sem fim. Na prática perdulária, o cinema embrafílmico inflacionou com o dinheiro fácil os custos da produção de forma inabordável pelas bilheterias. Nem o que era tido como um "sucesso" realmente se pagava. Na mídia, no entanto, e nos festivais de feição anti-americana, os filmes ganhavam distinções sem valor mercadológico.

Depois de quase quarenta anos de "mamação" dos dinheiros oficiais a questão da sustentabilidade do cinema não avançou um dedo. Pelo contrário: antes, se os orçamentos dos filmes estatais custavam em média US$ 300 mil, hoje eles atingem a casa de US$ 1 ou 2 milhões, podendo chegar aos US$ 3 ou 4 milhões, sem nenhum retorno econômico para o erário nacional. É fato: passados quinze anos do breve interregno do "furacão Collor/Ipojuca Pontes", usado até hoje como álibi para se arrombar os cofres da Viúva, a eterna criança ainda vive agarrada à confortável "mater", no prazeroso ato de sugar as tetas dos cofres públicos.

Basta ler os jornais: de Itamar, passando pelos períodos de FHC até o governo Lula, sob qualquer pretexto, sempre reaparecem membros da fauna ("tubarões" ou "golfinhos") do cinema, bem organizados, articulando o permanente discurso de que a "continuidade do projeto cinematográfico nacional está sob ameaça". No Globo de 18/12/06, por exemplo, o esperto Hector Babenco, argentino do Pixote vitimizado, utiliza o espaço amigo para "alertar" o Senado de que, se não for aprovado projeto de lei cujo objetivo é permitir que a Petrobras (e outras estatais) enfie R$ 40 milhões na produção de filmes, "estaria comprometido o processo de desenvolvimento e consolidação de nossa indústria audiovisual", o que é uma balela, pois mesmo embolsando os bilhões das estatais, os príncipes da casta jamais virão a abrir mão dos recursos a fundo perdido. (E como o Congresso é formado por gente ignorante e igualmente esperta, na certa promulgará a lei permissiva).

O fato é que durante o interregno do governo Collor, ao contrário do que propala falsamente Arnaldo Jabor - "o hábil" -, o cinema de mercado no Brasil produziu à época 105 filmes de longa-metragem conforme registra, entre outras fontes, o Dicionário de Filmes Brasileiros (ALSN, SP, 2002), de Antonio Leão Neto, única pesquisa de mercado confiável lançada nos últimos anos. Na verdade, o que acabou na era Collor foi a produção do cinema insolvente da Embrafilme que só logrou dar prejuízo à Nação, durante mais de 20 anos, em cima da miséria física e moral do povo brasileiro.

De minha parte, continuo a pensar que o cinema nacional só atingirá a maioridade quando voltar às mãos de produtores que corram riscos e repudiem o vicioso dinheiro do governo, coisa que pode demorar muito mas que, se encarada conscientemente pelo cidadão-contribuinte, poderá ocorrer mais cedo do que se pensa.


Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "OPINIÃO"Índice das publicações sobre "OPINIÃO"
31/12/2022 - 07h25 Pacificação nacional, o objetivo maior
30/12/2022 - 05h39 A destruição das nações
29/12/2022 - 06h35 A salvação pela mão grande do Estado?
28/12/2022 - 06h41 A guinada na privatização do Porto de Santos
27/12/2022 - 07h38 Tecnologia e o sequestro do livre arbítrio humano
26/12/2022 - 07h46 Tudo passa, mas a Nação continua, sempre...
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.