Passei vários dias nos Estados Unidos vendo na tevê programações garantindo que, no fim do ano, Times Square, em Nova York, se transforma no centro do mundo. O que não deixa de ser verdade: uma hábil campanha publicitária transformou o Ano-Novo nova-iorquino num evento globalizado. Muitas outras cidades poderiam ser o cenário da passagem do ano, mas Nova York conquistou esta posição. Merecidamente? Aí já tenho minhas dúvidas. Times Square é, certamente, a esquina (porque a rigor é isso, uma esquina, grande, mas esquina) mais famosa do mundo. É o umbigo da sociedade de consumo, o umbigo da sociedade de espetáculo, com aquela enorme concentração de teatros, com aqueles gigantescos anúncios, com as lojas, com as multidões ávidas por consumir. Mas é tudo muito kitsch, como kitsch é, freqüentemente, o musical da Broadway. O símbolo de uma mentalidade que domina boa parte do nosso planeta e faz com que multidões acorram a Nova York: Times Square é uma babel de idiomas. Uma gritaria constante. Gritaria: Nova York é uma cidade frenética. Pode ser muitas outras coisas além disso, mas é sobretudo uma cidade frenética, uma cidade em que todo mundo corre, todo mundo grita, todo mundo se agita. Uma cidade em que os carros buzinam sem cessar, em que os luminosos cintilam furiosamente. Se fôssemos classificar o nosso mundo como bipolar, e em boa medida ele é bipolar, Nova York seria o pólo maníaco. Porque mania é o combustível da modernidade. Nem poderia ser de outra maneira. Como teriam se desenvolvido o comércio, a indústria, a tecnologia se não fosse o impulso maníaco de progresso, de riqueza? Nova York, por alguma razão, acabou concentrando todas essas expectativas. É, para começar, uma cidade eminentemente cosmopolita, uma cidade que concentra gente vinda de todas as partes do globo: no final do século 19 e começo do século 20, milhões de pessoas vieram do Velho Mundo para fazer a América. Gente que não se conformava com a pobreza, gente disposta a lutar por uma vida melhor, e que com os anglos, com os negros, com os índios, fez dos Estados Unidos a potência que hoje é. Nova York continua sendo um magneto que atrai as pessoas, inclusive e principalmente turistas. No fim do ano, os hotéis transbordam de gente, e a primeira conseqüência disto é que as diárias aumentam no mínimo 50%. Os teatros estão cheios (com ingressos a preços incríveis), os restaurantes idem. Nos museus, e há excelentes exposições para ver, às vezes mal dá para caminhar. Boa parte deste turismo é formada de americanos do Interior, que têm pela Big Apple uma admiração sem limites. É gente que vai assistir aos musicais da Broadway, que lota os restaurantes listados nos guias turísticos (ingerindo toneladas de comida) e que, se possível, alugará uma limusine. Aliás, a limusine é o símbolo da mentalidade maníaca, um carro absurdamente grande e pouco prático naquele trânsito caótico. Mas, para um interiorano, descer de uma limusine na frente do hotel (e, de preferência, na frente dos amigos) deve ser a glória. Glória ridícula, mas glória. Nova York sintetiza as contradições do nosso tempo: abundância ao lado de carência, sofisticação ao lado de grossura, o Museu de Arte Moderna perto das lojas de gadgets. Nova York é, de certo modo, a projeção de cada um de nós, daquilo que temos de melhor e de pior. Não é de admirar que tenha sido alvo dos terroristas. Num certo sentido, Nova York também era, e é, o sonho deles. Como é o sonho de boa parte do nosso planeta.
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