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SEÇÃO
Crônicas
09/01/2007 - 19h43
O mestre revisor
Luiz Guerra - Agência Carta Maior
 

Havia muitos anos que eu não pegava o 650, condução (deixem condução) de itinerário labiríntico entre Engenho Novo e Marechal Hermes, fazendo em uma hora ou pouco mais do que isso uma viagem que os nossos trens superviários fazem em apenas quinze minutos, se o maquinista não estiver com pressa.

Mas gosto de andar de ônibus. E sentado à janela, para não incomodar nem ser incomodado por ninguém. Em carroções suburbanos como o 650 sou capaz de devorar vários capítulos de um bom romance, se não o romance inteiro. Ontem, por exemplo, voltando do Cachambi para casa, depois de passar o natal em casa de minha irmã caçula (cinqüenta e cinco aninhos, mas caçula), li e reli Stevenson sob as palmeiras, de Alberto Manguel, oitenta e oito páginas. Moleza.

Usava muito essa linha em começos dos anos 1990, quando trabalhava como revisor na Editora Record. Eu e meu saudoso amigo Edson, um mestre da revisão, de uma modéstia intelectual que chegava a dar raiva. Não era um grande leitor, não tinha a curiosidade livresca que tem a maioria dos colegas de profissão, não discutia predileções literárias, não saía no tapa com ninguém por causa de questões gramaticais. Tinha, sim, um olho infalível para o detalhe, nunca deixava de conferir no dicionário as palavras que desconhecia, não embarcava na canoa furada de muitos autores que se julgam o máximo no manejo da língua portuguesa e percebia incoerências em muita presunção de estilo. O chamado check list, a verificação final do livro antes de ser liberado para a impressão, era com ele mesmo. Depois do Edinho, IMPRIMA-SE, sem susto.

Fernando Sabino, que nunca visitava a editora sem dar uma passada em nossa seção (um exemplo para o sem-número de ilustres desconhecidos que esnobam solenemente os revisores), tinha um carinho todo especial por ele e chamava-o de "cabo velho". Por sinal, foi muitas vezes à casa do abençoado cronista para resolver problemas de última hora.

Pois Edinho e eu voltávamos sempre para casa no mesmo 650. Papo longo. Casos do dia no trabalho, uma vírgula duvidosa que o assombraria durante o sono daquela noite, as broncas carinhosas de nossa chefe, futebol (torcia pelo América carioca, mas elogiava o urubu na minha frente), jogo do bicho (perdemos dinheiro a rodo no ponto da Dalva, no Riachuelo), a mulher, as filhas (só tinha filhas, três), espiritismo, e os problemas de saúde, que finalmente o despachariam para o céu, não tenho dúvida, em meados da última década do século passado.

E ontem mesmo parei um instante a leitura quando o ônibus dobrou a esquina da rua onde ele morava. Saltava ali o ótimo parceiro. Cabeça branca, séculos nas costas de labuta mal-remunerada, de uma resignação infinita, acenava-me da calçada com um sorriso acanhado nos lábios, e bom, muito bom, bom toda a vida.

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