Ao amigo Júlio César Moreira
Por enquanto não há nada para se fazer. Os relógios marcam suas horas. A torre se mantém sagrada. Os homens estão cá embaixo. Não posso dizer do amor que sinto, estou sem voz. O mundo, que é linguagem, transforma-se em silêncio. Não o silêncio do amor, mas o silêncio de ferro. Por enquanto não se pode dizer verdades aos amigos. Fica-se sentado na cadeira ou deitado na cama. É permitido o uso de cigarros. Recorre-se também às lágrimas, os mais magros, porém, à revolta – que são as palavras do vazio. Pode-se ainda fazer uma construção, mas há de ficar-se preso nela. E tudo é um grande Processo. O juiz não se vê. Os defensores desprezam. Os homens odeiam. Por enquanto podemos beber em bares e falarmos da tradição. Por enquanto temos um resto de amor – aquele que foi dito. Podemos saber que foi a Billie Holiday quem fez o branco sentar-se mais confortável ao lado do negro. Mais e melhor que qualquer manifesto. Por enquanto temos a arte e um gosto de pinga na boca, a madrugada e a cama – mistério para amargurar e para entreter; a mesmice do dia, ou seu avesso que deve ser a loucura; o apego aos ponteiros; a grande mentira. Por enquanto temos a visão, esta grande graça que é a experiência. Cortante, imprópria para menores, sem pergunta fatal, sem entrevista de amor, sem ocasião da justiça. Sem que nunca se ouça seu verdadeiro nome. Nota do Editor: Mariella Augusto é Bacharel em Direito, mestranda da FFLCH (USP), escritora, autora de “O Fio de Cloto”, livro de contos prefaciado por Bruno Fregni Basseto, grande filólogo e vencedor do Prêmio Jabuti. Publicou crônicas no “Jornal das Artes” e artigos em várias revistas acadêmicas.
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