Na política, a democracia é valor inestimável. Submetê-la a quaisquer outras preferências significa violentar a dignidade alheia em favor dos gostos pessoais. Todo discurso que de algum modo expresse tolerância para com o totalitarismo, ainda que esse totalitarismo contenha em si mesmo algum outro valor pelo qual se tenha apreço, significa abandono dos ideais democráticos e desabilita aquele que o profere de voltar a abraçá-los mais adiante. Quando isso acontece - e acontece freqüentemente - impõe-se desmarcarar a farsa. Nenhum outro tema supera a democracia como foco de interesse da Ciência Política. Não cabe, portanto, nos pequenos contornos deste artigo, enveredar por esse complexo conteúdo. Quero apenas rememorar o fato de que todas as pesquisas feitas na América Latina evidenciam crescente desinteresse (que em muitos casos já se tornou majoritário) pelas instituições democráticas. As pessoas tendem a preferir um ditador competente. Tal dado impõe duas indagações que ninguém faz: 1ª) por que os ibero-americanos pensam assim, ao avesso de todo o Ocidente? e 2ª) o que estes nossos países têm em comum na sua organização e prática política? Tanto uma quanto a outra remetem aos trabalhos de Gaetano Mosca, renomado jurista italiano da segunda metade do século passado, que se dedicou ao estudo das classes políticas e à maneira como elas se formam, reproduzem, renovam, organizam e exercem o poder. Ora, a América Latina como um todo, e o Brasil em particular, adotam um modelo institucional cujas inevitáveis conseqüências estão visíveis na elite política que aqui se formou, aqui se produz, aqui se "renova", aqui se organiza e aqui exerce o poder. Portanto, os latino-americanos descrentes da democracia deveriam subir num tijolo, ampliar seus horizontes, e concluir que o objeto de seus desagrados está nas instituições que temos e não nos inestimáveis valores morais da democracia. A esquerda vive tempos festivos. Em toda parte, antigos revolucionários chegam ao poder pelo voto. Ato contínuo, vão a Havana beijar a mão esquálida e ensangüentada de Fidel Castro e passam por Caracas para agradecer a mão gorda, amiga e generosa de Hugo Chávez, que está pondo nova faixa presidencial e passando o cadeado. Não me venham dizer, estes novos governantes e todos aqueles que os aplaudem, que são democratas. É de escancarada obviedade o caráter oportunista de sua adesão, bem alinhada com a idéia de que a democracia é uma fragilidade burguesa que pode ser aproveitada para a tomada do poder. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto e da Presidente Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública. Conferencista muito solicitado, profere dezenas de palestras por ano em todo o país sobre temas sociais, políticos e religiosos. Escreve semanalmente artigos de opinião para mais de uma centena de jornais do Rio Grande do Sul.
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