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Opinião
19/01/2007 - 20h51
SDF: Supremo Desatino Federal
Mario Guerreiro - Parlata
 

Não há ser humano, por mais desatinado que seja, que não tenha experimentado um laivo de sensatez ao menos uma vez na vida. O Congresso Nacional tem se revelado uma das instituições mais retrógradas e de mais duvidosa moral neste país. Mas até mesmo ele tem - uma vez na vida e outra na morte - um lampejo de lucidez e interesse pelo Brasil. Por exemplo: quando aprovou a Cláusula de Barreira, que eliminaria (o condicional, como se verá, tem sua razão de ser) legendas de aluguel e partidos nanicos. Os primeiros caracterizam-se por representar unicamente os interesses de seus caciques; os segundos por representar ideologias esdrúxulas ou caquéticas que só sobrevivem nas cabeças de uma meia dúzia de gatos pingados e muito mal informados.

Considerando que temos 29 partidos políticos, mas somente 7 conseguiram satisfazer as exigências impostas pelas restrições da referida Cláusula, ocorreria uma verdadeira extirpação das ervas daninhas (novamente o condicional tem sua razão de ser), para que só pudessem ter direito de se estabelecer aqueles partidos dotados de um razoável grau de representatividade, o que exclui um Partido dos Controladores de Vôos, outro de Zé Goiabão e os Gaviões da Fiel e outro ainda de Eurico Miranda e suas saudações vascaínas. Este negócio de proteger supostos direitos das minorias acaba sempre em privilégio desta ou daquela minoria dotada de poder de pressão e, em relação especificamente a partidos políticos, acaba permitindo a existência de mais de duas dúzias de partidos carentes de um grau de representatividade mínimo proporcional à densidade dos colégios eleitorais. Isto para não falar no adultério político promovido pela dança das cadeiras, entre outras mazelas morais.

Infelizmente, mal entrou em vigor a mencionada lei aprovada pelo Congresso e um partido político - salvo engano meu, o nanico PC do B de Aldo Rebelo - entrou com uma alegação de inconstitucionalidade no STF. Houve manifestações de protesto ao menos em Porto Alegre patrocinada por três dos referidos partidos raquíticos: PV, P-SOL e PC do B. Não se pode reprovar a entrada de tal ação no Supremo, à medida mesma que ela está embasada em dois direitos básicos: (1) o de se defender da sua possível extinção como partido e (2) o de entrar com uma alegação de inconstitucionalidade a quem de direito cabe dizer o que é e o que não é constitucional, sem que seja compulsório nem tampouco necessário consultar a Constituição. E o STF, para a grande decepção d’alguns e não menor satisfação d’outros, declarou ser inconstitucional a supramencionada lei. [Justifica-se, portanto, aqui o emprego de certos verbos no condicional]. Em outras palavras: rejeitou uma linda criança que estava dando seus primeiros passos e que se tornaria um belo ser adulto consciente, maduro e responsável. Alguns partidos já estavam mesmo se fundindo - movidos pela lei natural de sobrevivência dos mais aptos - quando foi anunciada a infeliz decisão do Supremo. E por unanimidade! Nelson Rodrigues estava mesmo certo a respeito de toda e qualquer unanimidade...

Careço de competência para discutir se a alegada inconstitucionalidade é ou não procedente. Fundamento meu ponto de vista numa visão do quadro político brasileiro e no bom senso que - contrariamente ao que pensava Renatus Cartesius - não é a virtude mais bem distribuída entre membros da espécie Homo sapiens. Gostaria de saber quais os argumentos racionais para se defender essa proliferação incessante de partidos sem programas exeqüíveis, sem fidelidade partidária e sem representatividade, que ocorreu com a chamada Nova República e a "Constituição dos miseráveis" (quem não gostou da qualificação que vá reclamar com o autor da expressão: Ulysses no País das Maravilhas). Como se justificam efêmeras legendas de aluguel que adquirem forma e se dissolvem no ar como bolhas de sabão, como foi o caso do PRN de Collor?! E será o caso do PRONA quando Enéas Carneiro bater as botas e ganhar um paletó de madeira, pois o partido é o morubixaba e este o partido, o resto é figuração?! Como se justificam partidos nanicos que são, quando muito, comparáveis a facções de um clube de futebol ou de uma escola de samba disputando a presidência da agremiação esportiva ou a do "grêmio recreativo" (assim se denomina a razão social da maioria das escolas de samba no Rio)?!

O relator do Supremo foi o ministro Marco Aurélio Mello que qualificou a lei de Cláusula de Barreira, além de contrária à Constituição, "esdrúxula, extravagante e inconseqüente", um autêntico "massacre das minorias". Temos que acatar toda e qualquer decisão do Supremo em nome da ordem e do estado de direito, mas isto não significa que sejamos obrigados a abaixar a cabeça e fechar a boca, amordaçando nosso senso crítico. Se só nos resta exercer o legítimo "jus sperniandi", então passemos a balançar freneticamente as pernas em veemente protesto!

Isto é o Brasil: quando o Poder Legislativo, num raro laivo de sensatez, cria uma lei que só pode concorrer para o aperfeiçoamento da democracia por conferir maior legitimidade à representação política, o Poder Judiciário revoga esta mesma lei em nome das "minorias" e do "pluralismo democrático". Ora bolas, os Estados Unidos e a Inglaterra por acaso são menos democráticos do que outros países por funcionarem num regime bipartidário ou será que só é democrático quem tem mais de duas dúzias de partidos? Vem à minha mente a alegoria da Torre de Babel em que a grande pluralidade das línguas só gerou o caos. Pensando bem, no Brasil só deveria existir dois partidos: o PS (Partido Socialista) e o PVA (Partido Visceralmente Antissocialista), exigindo-se, mediante lei, estrita fidelidade partidária de ambos! Mesmo minoritário, o PVA não se abespinharia, caso tivesse que passar o resto da vida na oposição. Mais vale uma oposição com boas idéias e fiel a elas do que uma situação carente destes e d’outros predicados.

Coisa esdrúxula está acontecendo em determinadas "democracias" em que os governos deixam de atender os interesses da maioria - como devem por dever de ofício - e passam a atender os anseios e reivindicações das mais diferentes minorias protestadoras - protestantes são outra coisa - desde de a dos aposentados alimentadores de pombos nas pracinhas, até a das lacrimosas viúvas do camarada Mau, o Grande Timoneiro da Stultifera Navis [trad: Nau dos Insensatos]. Creio ser chegada a hora de criar o PESO (Partido do Eu Sozinho), tal como existia, nos antigos carnavais cariocas, um famoso bloco do mesmo nome.

Mas para estar de acordo com o ministro Marco Aurélio - para o qual o conceito de pluralismo democrático é algo que se mede pela quantidade de facções e patotas supostamente tidas como "partidos políticos" - não vemos por que não ampliar nosso espectro partidário, sugerindo a criação de um PPP (Partido dos Patriotas Parasitas), PMTE (Partido dos Mamadores nas Tetas do Estado), PDSRM (Partido dos Donos de Sinecuras e de Reservas de Mercado), PPH (Partido dos Políticos Honestos) - a menor de todas as minorias, espécie em via de extinção - PGLTS (Partido dos Gays, Transexuais, Lésbicas e Simpatizantes) - uma "minoria massacrada" pelos preconceitos sexuais de uma maioria de não-simpatizantes heterossexuais - PBJ (Partido da Boquinha e do Jabaculê), PDMAAA (Partido dos Defensores do Multiculturalismo, da Ação Afirmativa e outras Asneiras), PAF (Partido dos Analfabetos Funcionais) - uma maioria que não deve ser discriminada pela minoria dos que lêem e entendem o que lêem), et caetera ad infinitum. Apesar do grande filósofo William of Ockham (1285-1349) ter afirmado que Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem (As entidades não devem ser multiplicadas sem necessidade) foi contestado pelo ministro Marco Aurélio - que de imperador-filósofo romano só o nome tem - e para quem Entia sunt multiplicanda ad libitum (As entidades devem ser multiplicadas à vontade) - contestação essa com o qual concordaram todos os seus colegas. É triste! Muito triste mesmo! Coisa de se sentar no meio-fio e chorar como uma criança que deixou cair uma bala no chão, veio um vira-lata faminto e papou-a.


Nota do Editor: Mario Guerreiro é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).

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