Diário da Perua
Como tem gente bonita em Bonito! A fiel escriba fez essa singela constatação pelos próprios olhos, pois aproveitou o calor de janeiro para dar uma banda lá pelo Mato Grosso do Sul, estado que tem a glória de abrigar essa maravilha da natureza – em vários sentidos. Quem não foi pelo menos já viu nos intermináveis cadernos turísticos, revistas e tudo mais que deixa a gente chorando de vontade de ir nos lugares mais exóticos e bacanas, aqueles que deixam só o gostinho de que quero também, nunca o orçamento e o tempo permitem. Então não vou cansar meus queridos e escassos leitores com a descrição dos peixes, das águas cristalinas, cachoeiras e que tais, pois quem ainda não viu as fotos de tais maravilhas pelo menos ouviu falar. Vou me ater apenas ao elemento humano. A viagem começou com cara de mico total. O avião demorou mais de duas horas para decolar, o que não causaria nenhum espanto em era de apagão aéreo como a que vivemos, mas foi um pouco pior. Ficamos esse tempo todo dentro do avião, com a desculpa de que o aeroporto lá estava fechado. Queriam nos levar para Goiânia para depois seguirmos de ônibus – detalhe, distância de 580 km, nas péssimas estradas brasileiras que vivemos, ainda mais em tempos de chuva total. A turma do fundão, sempre ela, se revoltou, e a advogada Maria Adélia de Vasconcelos Barros, que viajava com a irmã e um sobrinho de 11 anos foi escalada como porta-voz da galera, para dizer que não aceitaríamos tal prêmio de consolação. Depois de muita negociação, fomos conduzidos finalmente a Bonito sem escalas, o avião foi praticamente seqüestrado para seu destino final. Surpresa – o céu lá estava azul, sem nenhuma cara de aeroporto fechado. Aos coitados que estavam esperando o avião para voltar a São Paulo, tinha sido dita a mesma coisa – o aeroporto de Sampa estava fechado, mentira mais que deslavada, ninguém conseguiu apurar porque o avião atrasou tanto. No desembarque, mais um tormento – a mala da escriba não tinha chegado, assim como a de vários passageiros, inclusive a do sobrinho de 11 anos. Funcionou a velha solidariedade brasileira – Maria Adélia emprestou uma camiseta, um short e um indispensável biquíni, uma das passageiras um calção para o garoto e o resto se virou como deu. Com os atrasos, extravio de bagagem e outras cositas mais que fazem a infelicidade de qualquer viajante, o dia já estava praticamente perdido. Foi quando uma simpática moradora, frentista de um posto de gasolina, bonita e simpática, avisou para a escriba que o hotel no qual estava tinha um bar muito bacana em frente. Bar é linguagem universal, uma espécie de embaixada humana em qualquer lugar do mundo, fui para lá e meu destino começou a mudar. De cara fiz amizade com uma galera mocinha, sarada, eram guias de arvorismo, aquele esporte radical que faz o coração bater quando a gente desce em alta velocidade de uma árvore para outra amarrado em cordas e mosquetões. Depois da familiaridade criada por várias cervejas, levaram a mim e a advogada, que naquela altura já era amiga de infância, para nadar já em plena noite num lugar que só eles conheciam. Foi uma loucura boiar em uma água quente debaixo de estrelas que pareciam estar ao alcance das mãos. No dia seguinte a mala chegou, a vida melhorou e a constatação, começada no bar, se fez mais forte – as pessoas são lindas, simpáticas, no que talvez ajude o forte componente gaúcho que eles têm, a terra começou a ser colonizada pelos povos do sul, celeiro de gente bonita, como bem mostra a exportação de modelos que promove. No bar mais animado do local, o Taboa, além da cachaça, que é bem legal, e também chama Taboa, a freqüência lembra Ipanema de seus bons tempos e detalhe – freqüência local. A cidade tem três academias e 18 mil habitantes, talvez seja a mais alta concentração do planeta, uma academia para cada seis mil pessoas. Os homens não têm barriga, as mulheres usam uma mistura de moda indígena com adereços fashion de fazer inveja a qualquer grife e os peixinhos são mesmo sensacionais. A nota fora fica mesmo por conta dos turistas, que apesar de menos espalhafatosos que o normal, são em sua maioria gordos, mal ajambrados. E ainda vi peruas usando sapatos verdes de salto agulha ornados por diamantes, aqueles strass que agora brilham nos pés das mais corajosas. Anabel Serranegra sonha agora em esticar a viagem até o Pantanal Nota do Editor: Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra.
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