Entrei o ano por quatro portas distintas. A primeira, e mais importante, foi a da família nuclear. Juntos, esquecendo diferenças, respeitando-se e integrando-se de forma leve, saudável e emotiva. Até umas parcas lágrimas pediram passagem e fizeram com que uma neta perguntasse: por que você está chorando, vovô? Chora-se, quando nunca se chora, por saber-se meio peixe neste mundo em que os decibéis das músicas abafam sentimentos não aflorados por falta de eco. Mas, deu meia-noite e o céu se encheu de luz, fogos traçavam artifícios no espaço enquanto rosas, guirlandas, chuveiros, estrelas, bouquets e outras formas de pirotecnia me tornavam menino, na esperança de que o próximo arranjo de luz e som me embevecesse ainda mais. Acabaram os fogos, cada um se foi na rota da vida no ano despontado e me dispus a entrar na segunda porta, bem perto, também defronte ao mar, vizinha do celeiro da alegria popular e coletiva, do outro lado do muro de pedra. E, mais uma vez, o império dos decibéis brigava com meus tímpanos. Abracei amigos. E entre as bolhas de um espumante eu via as mutações temporais da vida. Ali, naquele lugar, por tantos anos, estive junto com a mesma família nuclear que cresceu e se fez múltipla. E me achei, em meio a tantos, com a incapacidade de falar ao telefone. Vivemos a época da impaciência e minutos desconectados nos tornam isolados, mesmo que multidões pululem à volta. E aí entrei na terceira porta, a da rua, no meio do povo misturado com autoridades que capricharam na concepção nova e manifesta da estética bela, mais profunda que a vã superficialidade possa imaginar. E, em meio ao povo, com suas cadeiras e mesas de plástico, cervejas, sandubas e afins, vi-me brasileiro, essa mescla de raças, ritmos, harmonias e cores, plenos de singularidade. E havia duas mulheres loiras, uma liderava, outra cantava, ambas acreditando em novos limiares e atitudes. E, passo a passo, na rua, a senha da noite me acenava em direção à quarta porta, a dos sonhos.
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