O que havia sob a saia das mulheres? - costumava perguntar à época em que só garotos do ginásio conversavam sobre isso, enquanto espremiam espinhas e babavam o mesmo cigarro atrás do muro da escola. Mas eles não me queriam por perto, chegavam mesmo a calar na minha presença e, quando ouvi de um deles que certa garota o levara "às nuvens", negou-se a me explicar como se atingia altura tão excelsa. Tinha, pois, de investigar e quase descobri. Era hora do recreio, Maria Luísa comia sua pêra e cruzou as pernas. Olhei e nada vi, que uma incompreensível vertigem me tragava inteiro. Saí, então, correndo. Esse primeiro susto não me intimidou e perseverei na pesquisa. O que faltava aprender entendi numa inesperada lição, quando minha prima saiu certa noite após o temporal para se encontrar com o namorado. A lua lavava sua mecha fulva numa poça diante de nossa casa e, para ganhar a rua, a prima teve de saltá-la. Na pressa, arrepanhou a saia e pulou. O espelho d’água me mostrou, então, o recôndito do mistério. Um segundo apenas, mas o suficiente para eu ver que estrelas, milhares delas!, subiam pelas pernocas tão claras quanto a Via Láctea e formavam lá no fundo deslumbrantes constelações. Fiquei siderado! Meus olhos seguiam aquela evolução estonteante e, ao dar por mim, levitava! Subi mais e logo cheguei às nuvens. Às nuvens - assim dissera o garnisé do ginásio. Mas agora eu já sabia e não lhe perguntei mais nada. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca, 54 anos. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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