O único medo que o tio Jorge tinha era morrer, pois, como ele mesmo se rotulara: "o homem mais feliz da terra", e por isso não podia abandoná-la assim, já que não sabia o que lhe esperava no lado de lá. Sua avançada idade despertava o temor dos filhos, afinal, uma hora ele tinha que morrer. Isso aconteceu no dia cinco de Janeiro, aonde tio Jorge veio a falecer depois de um almoço regado a vinho. Para surpresa dos filhos, tio Jorge deixou um testamento, onde estava divido o patrimônio pertencente a cada filho e todos os detalhes que deveriam ser seguidos no seu velório. Com certeza seria um velório inusitado. A discussão começou quando a filha mais velha do tio Jorge disse que não fariam um velório naqueles moldes, pois tinham que seguir a tradição. O bate-boca sobre o velório durou duas horas, até que o Márcio, sobrinho do tio Jorge, sugeriu fazer uma votação. Seguir o que estava no testamento ganhou com a diferença de um voto, com o argumento: - Foi a última vontade do morto. O pessoal da decoração estranhara, afinal, decorar um velório, com balões e fitas não se fazia todos os dias. O cheiro de churrasco já "inundava" o ambiente, assim como o gaitaço do Zé Cláudio, velho companheiro do tio Jorge, alegrava os dançarinos ali presentes. Num canto da capela funerária, amigos do tio Jorge relembravam suas melhores histórias, regados a muita cerveja. A certa altura do evento, foi organizado um campeonato de piadas, sendo vencido por dona Noeli, esposa do tio Jorge. A comilança e a bailanta divertiam os presentes, foi quando entra, de forma explosiva, um rapaz gritando: - Chega! Vocês não estão vendo que estamos em um velório aqui do lado. - Nós também. Responde Márcio. - Nós exigimos respeito, afinal, o meu pai foi vereador dessa cidade e merece descansar em paz. Por isso parem com essa baderna! Ordenou o rapaz novamente. - Esse foi o último desejo do morto. Contrapôs Márcio. - Meu pai merece respeito. Ponto final nessa bagunça! Exigiu o rapaz. - Respeito por respeito, que idade tem o teu morto? Indagou Márcio. E o rapaz redargüiu: - 54 anos Márcio replicou: - O nosso morto tem 91 anos, respeite o mais velho rapaz, por isso, segue o baile! E a gaita voltou a ressoar no salão... Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista, escreve semanalmente para o site www.sulmix.com.br, e para diversos jornais.
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