Um dos passos essenciais em qualquer processo socialista é a substituição da consciência moral pela consciência revolucionária. Isso fica mais evidente no marxismo, onde qualquer vestígio de moralidade coloca em risco a fabricação da luta de classes. Tanto a realidade quanto a moralidade não são limites para o socialismo marxista. A moralidade, por ser tratada como um instrumento das classes dominantes, que desejam manter a exploração sobre as classes dominadas; a realidade, pela própria constituição ideológica do marxismo que, ao juntar a arrogância do racionalismo com a promessa da utopia, prescinde do confronto com a realidade. Nas vertentes socialistas da atualidade, a revolução não se concentra tanto na destruição da economia "burguesa" ou na promoção da luta de classes. Ela se processa por outros mecanismos, por exemplo através da cultura. Contudo, mesmo que o elemento de violência física não esteja explícito, ou seja habilmente camuflado, ainda assim a consciência moral deve ser combatida para a concretização da agenda ideológica socialista. É através da imposição de um modo de agir e de pensar "politicamente correto" e da difusão do relativismo moral e cultural em quase todos os campos do conhecimento que atinge-se o propósito de destruir as bases morais da civilização ocidental para, em seu lugar, plantar os alicerces de um "outro mundo possível", caracterizado pela regulação institucional das relações políticas internacionais e das atividades econômicas globalizadas, visando estabelecer tanto a paz mundial quanto a reestruturação social mediante a justiça redistributiva. Será que esse "outro mundo" é mesmo possível? Talvez. Será desejável? Aqui, podemos fazer duas observações. A primeira consiste em analisar uma possível conseqüência da concretização do ideal de paz perpétua em oposição à dinâmica hobbesiana do sistema internacional. Ora, Kant já reconhecia a dificuldade de conciliar o mundo pacificado por um governo mundial com a preservação das liberdades. Assim como a democracia sem sólidas instituições desenhadas para a limitação do poder político pode degenerar em uma ditadura da maioria, o estabelecimento de um governo supranacional pode conduzir ao despotismo. Como as instituições que sustentam e garantem o bom funcionamento da democracia representativa dependem do reconhecimento de certos princípios morais e valores fundamentais, o processo de eliminação da consciência moral, presente na construção desse "outro mundo possível", conduz inevitavelmente à criação de instituições mundiais defeituosas e incapazes de garantir a preservação das liberdades e dos direitos. A segunda observação envolve a nossa própria identidade. Será que estamos dispostos a abandonar a riqueza de nossa tradição cultural em favor de um idealismo carente de substância axiológica? A substituição de nossa consciência moral pelos ditames do politicamente correto e do relativismo moral leva, sob a aparência de tolerância e progressismo, à permissividade e ao suicídio cultural. As concepções antropológicas que negam a existência de uma natureza humana abrem o caminho para a dissolução dos nossos valores e para a conseqüente negação de toda a nossa herança cultural e histórica. A substituição da consciência moral pela consciência revolucionária do socialismo não conduz ao fim da pobreza ou à concretização da verdadeira justiça. A liberdade, quando separada da ética que tem a pessoa humana como centro da dimensão moral, não é suficiente para garantir nem a prosperidade, nem uma ordem internacional fundada na justiça e nos direitos. É da consciência moral, afinal de contas, que brota o conceito sólido de pessoa, dotada de dignidade perene e de direitos fundamentais inegociáveis. Sem ela, ficamos à mercê da barbárie dos totalitarismos ideocráticos e renunciamos à constituição de uma sociedade verdadeiramente livre e virtuosa. Nota do Editor: Claudio Téllez é matemático e analista internacional, é chileno e nasceu na Alemanha (Bochum) em 7 de novembro de 1976. Colunista do site Mídia Sem Máscara desde 2003 e do site Ratio Pro Liberte desde 2004, atualmente desempenha a função de Vice-Presidente de Formação e Projetos no Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP), onde também escreve artigos e resenhas de livros.
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