No colégio, tive um colega que vivia angustiado por algo que, achava ele, representava uma tragédia em sua vida: não conseguia piscar. Melhor dizendo: conseguia piscar os dois olhos, mas um só, não. Como é que eu vou conquistar uma guria sem piscar, ele nos perguntava, angustiado, e de nada adiantava consolá-lo dizendo que a paixão chegaria de qualquer maneira, com piscadela ou sem piscadela. Por causa de sua suposta inabilidade, ele se considerava uma vítima do destino. Piscar é coisa que fazemos até involuntariamente; é uma forma que o organismo tem de preservar o globo ocular. Quando piscamos, as pálpebras funcionam como limpadores de pára-brisas, lavando o olho com o líquido lacrimal. Podemos piscar até 24 vezes por minuto, e de cada vez ficamos um segundo sem enxergar. Parece pouco, mas aos 70 anos este tempo totaliza 21 dias. Vinte e um dias que ficamos sem enxergar por estarmos piscando. Piscar, portanto, é parte importante de nossa vida. Mas é um gesto automático, inconsciente. O que o meu colega queria era transformá-lo em algo simbólico, numa mensagem apaixonada, daquelas que fazem parte da linguagem codificada entre homens e mulheres. Ele queria, como diz o antropólogo Roberto Da Mata, transformar o piscar mecânico e fisiológico em uma piscadela sutil e comunicativa; para isto, acrescenta Da Mata, é preciso trilhar o caminho da empatia, o caminho que nos leva a outra pessoa, mesmo desconhecida, e que pode, quem sabe, ser o caminho da paixão. Piscar o olho é uma coisa significativa. O olho que se fecha indica que estamos, como no sono e no sonho, mobilizando nossas fantasias; mas o olho que permanece aberto informa que estamos alertas, atentos, que somos malandros. Há uma ambigüidade aí, mas esta ambigüidade preside o começo de todo relacionamento. A proposta que está implícita na piscadela mistura brincadeira com sinceridade; pode apenas ser um flerte, mas pode ser o começo de algo sério, quem sabe de um namoro, de uma relação permanente. Como diz a música da cantora portuguesa Ruth Marlene: "Todos os homens têm suas artimanhas / pra conquistar fazem coisas geniais / mas as mulheres já conhecem suas manhas / sobretudo o piscar de olhos que é o que eles usam mais. / Eles olham para a direita, e pisca, pisca / eles olham para a esquerda, e pisca, pisca / andam praí a piscar / pra ver se arranjam conquista / parece que está a dar, e que veio pra ficar / a moda do pisca, pisca." Deve ter vindo para ficar, mesmo, porque até nos e-mails a piscadela de olho funciona: é feita com ponto e vírgula, hífen e parênteses direito: ;-) Para quem é muito tímido, e restringe seus contatos com o sexo oposto às mensagens de Internet, é um recurso fácil e não exige coragem. Espero que o rapaz do meu colégio esteja usando a piscadela da Internet. Como se vê, sempre existe esperança. Quando menos se espera, a vida nos pisca o olho.
|