Sou o mais velho de uma família de nove irmãos. Cinco homens e quatro mulheres, todos vivos, hígidos e independentes. Família cheia de defeitos e poucas virtudes. Gente comum, sem glória, pompa ou circunstância. Pessoas que foram, desde cedo, obrigadas a compartilhar quartos, roupas e entender que seria necessária muita luta para conseguir um lugar ao sol, mesmo uma réstia. Hoje, as famílias são bem menores e, em todas as classes, parece não existir mais um sentimento de união, superação das tão comuns brigas entre irmãos, motivadas por tudo, até mesmo por ciúme e inveja, pouco relevados, mas conhecidos de psicanalistas e psicólogos. Estudando em colégios privados, com a merenda ou dinheiro contado para um pedaço de bolo e um refresco, lá íamos nós a pé. É bem verdade que a distância era pequena e a cidade não oferecia o menor perigo. No final de cada ano, os livros e as fardas passavam para os mais novos e não se ouvia falar em mesada, em prêmio por ter cumprido a obrigação de ser aprovado e nem viagens à Disney. Só existiam esportes, poucas rádios para ouvir e emissora de TV em preto e branco, ficando a televisão na sala, dividindo com o piano surrado, os lugares de honra. Brigava-se muito, a tapas e socos. Não ficava mágoa. A rixa se exauria no banho que a mãe mandava os filhos tomarem após as refregas. Havia o terço, a missa aos domingos, as primeiras sextas-feiras e as procissões. Quando o dinheiro dava – e sempre dava - ia-se ao cinema e ninguém reclamava do calor, entretido nos filmes e nos seriados. Quando um dos irmãos brigava na rua lá se iam os outros tomar satisfações e dar - ou levar - surra do desafeto. Tomava-se pouco remédio. Uma ou duas vezes por ano, um remédio para vermes. De quando em quando, um Calciogenol irradiado, Emulsão de Scott, Biotônico Fontoura, Phimatosan, Melhoral e muita abacatada, bananada ou “vitamina”, que era uma espécie de salada de frutas batida no liquidificador. Cada casa tinha uma bicicleta que ia passando de mão em mão ou de pé em pé. Estudava-se inglês, aprendia-se datilografia e jiu-jitsu e as meninas tinham aulas de piano. Quem era mais interessado em livros ia à biblioteca pública fazer pesquisas ou pedir empréstimos para entrega em 15 dias. Fazia-se uma ficha e nos entregavam os livros que os colégios nos obrigavam a ler e resumir. Estas recordações, meio pessoais e desinteressantes, vieram a propósito do filme que vi em vídeo Férias em família de Jodie Foster, em que se mostra a relação neurotizante de uma família americana que, quase obrigada, se reúne para o feriado do dia de Ação de Graças. De tudo fica uma lição e a certeza de que irmãos, mesmo que espalhados pelo mundo, diferentes e distantes, são necessários e indispensáveis e, ao revê-los, a gente se dá conta de que a família é base de todos os princípios, mas sem essa de moralismos caretas.
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