Fechei a porta com paciência, sabendo que a deixaria aberta. As chaves haviam sumido naquele agitado dia de faxina geral. A casa, da soleira de entrada ao degrau que dá acesso ao quintal, estava perfeita, como uma boa dona-de-casa gosta e um marido caseiro admira. As crianças haviam ido para a casa da tia, onde a bagunça reina noite e dia. Eram seis da tarde e comércio já baixava as suas imensas portas de aço. Onde conseguiria um chaveiro àquela hora? Perguntava a um e a outro sobre um chaveiro, que pudesse ir até a minha casa e resolver o meu problema, nem perguntaria quanto desembolsaria, pois a segurança do lar transcende o valor que se gasta com ela. Um gaiato me pergunta se eu estava querendo chaves. Disse que sim e ele me mandou ligar o canal do Silvio Santos e eu bobo perguntei: por que? Ouço, como resposta: "Lá tem Chávez toda hora". É duro que isso aconteça em um momento como o que eu enfrentava. Dei o troco: "Quer um Chávez mais cômico do que esse? Vá para a Venezuela. Isto para não o mandar mais próximo!" Enfim, me esgotei de rodar a cidade e ler alguns cartazes, inclusive no chaveiro, comunicando que, em virtude do feriado alongado de fim de ano, enforcariam o sábado e só abririam no dia 2 de janeiro do ano seguinte, Estávamos em 29 de dezembro de 2006, meu aniversário. Passaria de um ano a outro com porta fechada, porém aberta? Ou faria uma coisa brega, colocando um grande cadeado pendurado pelo lado de fora? A minha preocupação estava com os amigos, amigos do alheio. Não havia mais solução para aquele dia. Aproveitei que aniversariava, e com a família fora de casa, com que eu deveria comemorar? E como homem não se contenta com uma, lá pelas tantas, já tinham passado por minha mesa uma dúzia de loiras, geladas loiras! Não escolhi marca e o garçom me serviu um lançamento novo. Cerveja nova na barriga de velho dá disenteria ou dor de cabeça. Em mim, deu a duas reações, forçando pagar logo a conta, dar gorjeta e pedir ao garçom que limpasse a mesa e a cadeira. De retorno para casa, encontrei alguns postes mal-educados, que cismavam de querer me derrubar, e uma árvore, que igualmente saiu de seu local fixo, em direção à minha testa. E o galo cantou mais cedo, expandindo-se em minha testa, coisa horrorosa! Não sei por que tem gente que ainda bebe. Enfim, borrado e atraindo moscas, cheguei à porta, que estava fechada, porém aberta. Antes de tocar na maçaneta, apalpei todos os bolsos à procura da chave. Entre as duas dores de cabeça, da ressaca e do galo na testa, consegui lembrar que a porta estava fechada, porém aberta. Entrei, e antes mesmo de ir tomar um banho, o banho do meu aniversário, fui até a geladeira, pois me disseram um dia que gelo é bom para abaixar o galo. Abri o congelador e fiquei frio ante ao que estava vendo. Lá dentro, fria, estava a chave, com o chaveiro de pendurar chaves. Mas, afinal, com que intenção ela foi dar voltas diferentes das que estava acostumada, e logo em um lugar tão frio? São mistérios do lar! Nota do Editor: Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, DRT-398/BA, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia... É jornalista investigativo, escritor, poeta, e adepto do humor. Também conhecido como "Jornalista do Sertão". Já se aproximando dos sessenta anos também está com a memória curta.
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