Eu não tinha visto vídeo do Galvão Bueno com o Pelé até agora. Meus amigos assistiram bem ali ao meu lado, no computador vizinho ao meu. O monitor estava num ângulo desfavorável e só avistei alguma coisa em preto e branco. Mas depois eu procurei no YouTube e acabei vendo na íntegra. Também vi o vídeo do Kassab falando da cratera. A manchete que chamava para o link era assustadora, algo como ’Kassab faz piada com tragédia da cratera do metrô’ ou algo assim. Fui ver. O vídeo não correspondia à polêmica criada. Também vi o vídeo do apresentador americano que detona a bandeira brasileira e em seguida, faz xixi sobre a mesma. Passou no Fantástico, mas eu só fui ver mesmo na Internet. Agora que todos têm acesso à banda larga e já podemos ver vídeos sem muitos soluços, só se fala nisso: vídeos. Pode ser no trabalho, no almoço, no cafezinho, na balada, todo mundo tem um vídeo pra comentar, pra recomendar, um vídeo que todos prometem passar por e-mail para os que ainda não viram. É bacana ser um cara que sabe de tudo, que já viu tudo, mesmo que tenha que mentir na hora para procurar na rede algumas horas mais tarde. O que eu me pergunto é se vamos ser capazes de dimensionar os fatos ou se vamos nos perder na superficialidade das coisas. Sim, porque, o vídeo do Galvão com o Pelé é curioso porque é um registro. Mostra os bastidores da entrevista entre Galvão e Pelé para o Jornal da Globo durante a Copa de 94. Como o material é bruto, sem edição, é possível os dois em ’on’ e depois em ’off’. Para quem nunca viu cenas de bastidores de TV é algo inusitado. Ainda mais em se tratando de dois astros do espetáculo futebolístico. Mas não é a reportagem do século. O vídeo do Kassab também é uma bobagem. Tsunami em poça d’água. Durante uma entrevista Kassab comenta a existência de vários motéis na região e, conjectura sobre o susto que os freqüentadores desses estabelecimentos teriam levado quando o acidente aconteceu. Era só um comentário da imaginação, um filminho na cabeça, a idéia de casais em motéis sendo tomados de assalto por um barulho assustador, pelos tremores de terra, nada mais. Para quem está sem assunto pode ser uma semente de polêmica, mas não tem nada de espetacular em si. Não é um furo de reportagem. Quando ao americano, bem, não há como não ficar com raiva de um gringo que fala mal da nossa gente e da nossa bandeira. Mas dimensionando bem a coisa, vemos que se trata de um americano doido, um lutador profissional chamado Christopher Antal, cujo apelido é Gabmá, que tem um programa mensal num canal à cabo chamado M8, lá em Marlboro, perto de Boston. Deve ter uma audiência pífia, muito menor que vídeos de sucesso do YouTube e que não teria nenhuma importância não fosse o fato de alguém ter dado relevância ao ocorrido. Como se sabe, nos EUA, o discurso é livre e até os doidos e preconceituosos estão garantidos pela constituição. No Orkut e em outros sites a gente encontra muitos outros loucos que pregam ódio contra religiões, etnias e etc. Não é algo novo no nosso planeta. O que estamos vivendo é uma total e espantosa espetacularização da vida. Somos ao mesmo tempo espetáculo e espectadores. Hoje, tudo é registrado em vídeo e pode ser instantaneamente divulgado. Ao mesmo tempo, imagens brutas antigas, vídeos capturados e reeditados, voltam do passado para o presente e engrossam o caldo do entretenimento. Ao que tudo indica a privacidade acabou não por homicídio doloso da supervisão das câmeras, mas por suicídio opcional do telespectador que preferiu trocar a passividade pela vontade de aparecer. Pagamos o preço de ter que acompanhar tudo o que está para ser visto. Em compensação, ganhamos o direito de aposentar a melancia que éramos obrigados a pendurar no pescoço para aparecer. Agora, basta uma câmera na mão, uma conta no YouTube e um gigantesco ego na cabeça. Nota do Editor: Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.
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