Os liberais sabem que um Estado mínimo - para os padrões atuais do mundo ocidental algo em torno de 25% do PIB - é a condição para que a racionalidade econômica prevaleça, obtendo-se assim do sistema econômico a ótima alocação de recursos e o máximo de produtividade dos fatores. Com o boom de inovações tecnológicas que se verificou nos últimos anos, uma sociedade assim organizada poderia fazer explodir a produção de riquezas. E, claro, os seus cidadãos poderiam exercer a plenitude da liberdade, vez que esta deriva da sua condição primeira, a liberdade econômica. O que se vê, no entanto, é o oposto. Nas democracias ocidentais a cada ano verifica-se expansão adicional do Estado, seja pela ampliação dos investimentos militares, seja pela ampliação do complexo de bem-estar social (expressão enganosa. Na verdade, privilégios de todos os tamanhos, para todos os gostos). O fato é que os déficits gerados são contínuos e incontroláveis, redundando na sistemática e paulatina elevação da carga tributária e na regulação da vida privada pela burocracia estatal. O fenômeno é mundial e o Brasil não escapa dele. Aqui temos de singular a taxa rápida de expansão do Estado, que em uma década cresceu algo da ordem de um terço (a taxação passou de 25% para 38% do PIB), sem que as contrapartidas "sociais" tenham crescido na mesma proporção. A burocracia estatal e os fornecedores do Estado foram os grandes ganhadores com esse processo. Os perdedores foram os pagadores de impostos. Aqui duas questões devem ser colocadas. A primeira é se uma situação como a que está criada, de um Estado exorbitantemente grande e intervencionista, pode ser mantida ao longo do tempo. A segunda questão é compreender como se dá a relação entre o Estado - a instância político-burocrática - e os cidadãos, e também os efeitos sobre as liberdades individuais. Responder à primeira questão é complexo e demandaria um programa de pesquisa multidisciplinar. O que eu posso aqui é fazer proposições para o debate. Como se criou esta situação? Como ela se mantém? Qual o papel dos empresários nesse processo? Qual o papel do chamado "homem comum"? O surgimento dessa situação tem sua gênese na época do Governo Geisel e seu famoso modelo "tripartite" e a profusão de empresas públicas então fundadas. Esse processo, todavia, foi minimizado recentemente pelas privatizações, que em boa hora foram executadas sob os protestos dos mais esquerdistas. Concluídas, não fizeram voltar a situação ao status quo ante. Por que? Porque a expansão dos gastos públicos se deu, desde 1985, por outra via que não as estatais, pela expansão da Administração Direta nos três níveis de poder e a concessão de "direitos" e benefícios oriundos do sistema de Previdência Social. Estados novos foram criados, milhares de municípios idem e a multiplicação da burocracia estatal ocorreu como erva daninha. A hipertrofia do Estado é tamanha que hoje nenhum setor pode se declarar independente do Estado. Os agentes econômicos individuais, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, estão na dependência direta da boa vontade da burocracia e da classe política para o exercício da ação econômica e mesmo de sua sobrevivência. Tudo passou a ser mediado pelo Estado. Nenhuma grande fortuna e nenhum sucesso empresarial, salvo exceções de regra, prescindem das boas relações com o Tesouro. Seja via compras, isenções fiscais, concessões de monopólio de fato, financiamentos, funding das Entidades Privadas de Previdência Complementar (os tais Fundos de Pensão), empregos diretos, empregos terceirizados, contratos de consultoria via Banco Mundial, nada escapa ao carimbo da instância burocrático-político. O regime que está em vigor poderia muito bem ser chamado de "corporativista" como nenhum fascista dos anos trinta jamais imaginou. Estar fora do Estado é estar fora do processo econômico. É a exclusão social e econômica. Talvez por isso a palavra "inclusão" esteja em todas as bocas governantes. Se não fosse o processo democrático, uma situação assim poderia permanecer indefinidamente ossificando os privilégios, como vimos na extinta União Soviética, que caiu de podre, carcomida por dentro pelos cupins da burocracia. Ocorre que a politização geral das relações econômicas aumenta a fome dos que são beneficiários do sistema e também o poder da burocracia estatal (e da classe política), gerando o desejo das massas excluídas de serem incorporadas ao sistema. O Estado passa a ser disputado por verdadeiras gangues que se esparramam nas diversas siglas partidárias, formando grandes blocos de poder. Todos querem pôr sua colher nesse caldeirão de sopa. Todo mundo quer ter uma boquinha. É nesse contexto que podemos compreender o enorme sucesso do Programa Bolsa-família, que reelegeu Lula e a rejeição a Geraldo Alckmin, a quem o partido situacionista conseguiu associar a um projeto político de privatização (que não havia). O sonho dourado desses tempos estatizados é manter alguma relação econômica vantajosa com o Estado. Entramos em um processo irreversível de populismo econômico que obriga os detentores do poder e os partidos de oposição a fazerem promessas crescentes aos parasitas estatais e a prometer à multidão de excluídos que eles também se tornarão parasitas em algum momento, nem que seja via uma bolsa-esmola qualquer. Vale até criar a armadilha do crédito consignado para os pobres. É o irracionalismo econômico radical e destrutivo, que determina uma rápida elevação da carga tributária para cobrir os déficits crescentes e imensos. Assim, os partidos mais populistas e sem escrúpulos é que podem chegar ao poder. O PT chegou ao poder. Quem fizer um programa racional não se elege, e ser racional é abraçar o ideal do livre mercado, do Estado Mínimo, da desregulação, é adotar o liberalismo econômico e a ética judaico-cristã ("Comerás o pão com o suor do teu rosto"). Não há qualquer intenção de reforma por parte dessa gente que está no poder. Não há qualquer motivação para a racionalidade. O que vale é manter o poder e para isso esses homens ímpios estão dispostos a tudo. O processo eleitoral está cada vez mais caro e o controle do Legislativo também e precisam ser financiados. O "mensalão" foi a ponta do iceberg dessa forma amoral e ilegal de exercício do poder. E aqui vemos que o sucesso empresarial está diretamente vinculado às relações de compadrio e de intimidade com os que detêm os cordéis do Estado. A empresa do Lulinha, o filho de Lula Lá, e seu súbito sucesso é um caso típico, mas não o único. Nada escapa ao tacão do estamento burocrático-político. Os eleitos enriquecem; os não enturmados estão condenados ao fracasso e à miséria. Os eleitores, iludidos, acham que serão sócios no butim no tempo futuro de redenção. Literalmente, vale o antigo bordão da política brasileira: "Quem não tem padrinho morre pagão". O cinismo elevado à máxima potência. O poder determina o dinheiro, não o contrário. Um sistema assim não pode se manter muito tempo em face da sua irracionalidade intrínseca e de sua injustiça. A má alocação de recursos é inerente a ele e a injustiça distributiva a sua base real. Não se pode dar tudo a todos ao mesmo tempo sem o concurso do trabalho. Alguém sempre terá que pagar a conta. Cada vez mais um número menor de pessoas trabalha para sustentar a vagabundagem generalizada dos que vivem da renda estatal (dos impostos), os aposentados, os que exercem cargos vazios e sem finalidade (quem vai ao Congresso pode ver esse fenômeno a olhos desarmados: magotes de funcionários sem nada para fazer, ajudados por outros magotes "terceirizados" sem nada para fazer). Descobri recentemente que a indicação dos terceirizados se faz por via política. O fornecedor de mão-de-obra, regra geral, recebe a lista dos que devem ser admitidos. O hábito de nomear por compadrio nunca esteve tão vivo e atuante no Brasil, muito mais do que na República Velha. A terceirização em larga escala fez dos concursos públicos de admissão letra morta. Quando acabará? Quando o sistema entrará em exaustão? Não tem data. Se vier uma crise econômica mundial desaba em dias. Se não vier, irá desabar do mesmo jeito, só que homeopaticamente, dia após dia, devorado por dentro. Haverá ao final uma crise econômica como nunca houve. Seu indicador inicial será o primeiro déficit a ser gerado na balança comercial. A partir daí a coisa ficará incontrolável e fatalmente cairemos na hiperinflação. Resta a segunda pergunta por responder, sobre a liberdade. Ela está se tornando apenas uma palavra sem conteúdo. Toda a gente se submete à vontade impessoal e cega do grande Saturno estatal. Os empresários precisam ficar quietos, porque necessitam de financiamento, de vendas, de favores. Nenhum grande negócio pode se realizar hoje no Brasil sem a intermediação do Estado e de suas projeções, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os fundos de pensão. Então não surpreende que homens do maior valor pessoal, liberais convictos no plano intelectual, deixem-se levar pelo nariz feito bois no pasto. Se piar serão excluídos e mesmo politicamente perseguidos. Muitos empresários que não se enturmaram hoje estão prisioneiros, acusados de sonegação fiscal. É um escândalo um Estado roubador aprisionar alguém porque fez algo para não se deixar roubar. O mesmo vale para o povo miúdo. As massas pobres do Nordeste sufragaram Lula por gosto, mas também sob a ameaça velada de que, não o fazendo, suas bolsas-esmola seriam cortadas pelo opositor. Terrorismo econômico da pior espécie, uma fraude eleitoral. Ninguém reclamou, nem a Justiça Eleitoral. O veredicto das urnas foi insofismável: venceu o terrorismo eleitoral, suportado pelo poder esmagador de quem controla o Estado. Nem o rico nem o pobre são livres mais no Brasil. Toda gente está escravizada, por diferentes meios. Todos pagam seu tributo no altar do grande Saturno. Só se esquecem que o Saturno mitológico é cego e devora os próprios filhos. É ele mesmo que está encarnado. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas na FGV-SP.
|