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Opinião
09/02/2007 - 13h00
Ah! Como eram elegantes os cisnes do Itamaraty
Mario Guerreiro - Parlata
 

Desde os saudosos tempos de D. Pedro II e do Barão do Rio Branco que o Ministério das Relações Exteriores sempre se caracterizou por ser uma instituição acolhedora não só de grandes talentos diplomáticos como também de destacados membros da nossa Inteligentsia. Para citar tão-somente alguns de nossos contemporâneos: José Oswaldo de Meira Penna, Roberto de Oliveira Campos, José Guilherme Merquior, Mario Vieira de Mello, João Cabral de Melo Neto, Vinicius de Morais, Guimarães Rosa etc.

Grandes ensaístas políticos, romancistas, poetas, etc. passaram pelas fileiras do Itamaraty e deram significativas contribuições para a cultura brasileira em seus mais variados aspectos. Ah! Mas isto foi no tempo em que havia, no centro do Rio, o famoso Dragão da Rua Larga, uma grande loja que vendia quase tudo a preços módicos, situada na mesma rua que o Palácio Itamaraty com seu lindo jardim onde cisnes brancos em noite de lua deslizavam no lago azul.

Foi aí que JK decidiu fazer o mesmo que Mustafá Kemal, Atatürk (Pai dos Turcos): transferir a capital de Istambul no litoral para Ánkara no centro do país. No nosso caso, transferir a capital do Rio de Janeiro no litoral para o Planalto Central Brasileiro. Parece que ambos os governantes não gostavam do mar. Atatürk gostava mais do ar, exímio piloto que foi; JK gostava mais das Alterosas e, como se sabe, Minas não tem mar, mas tem Mar de Espanha e Itamar.

Mas é claro que não foi por uma questão de gosto que ambos decidiram construir novas capitais para seus países em locais em que não havia nada, absolutamente nada, exceto flora e fauna. Razões estratégicas geopolíticas foram invocadas por ambos, mas não me interessa mostrar aqui que se tratava de uma boa patuscada cujos efeitos malignos afetam até hoje esses dois países mais tributados do mundo, supondo, é claro, que a mesma causa produza idênticos efeitos.

Não quero tampouco afirmar que pelo mero fato de uma coisa acontecer antes e outra depois haja uma relação de natureza causal entre ambas. [como dizia falsamente o adágio Post hoc, ergo propter hoc (Depois disto, então por causa disto) duramente criticado por David Hume, filósofo escocês do sec. XVIII], mas o fato é que depois que a capital do país passou a ser Brasília, o nível intelectual do Ministério das Relações Exteriores vem caindo gradativa e assustadoramente. Estes são dois fatos inegáveis facilmente constatáveis pelos poucos possuidores dos hábitos de ler, observar e pensar, bem como conscientes do que se passa na sua cidade, no seu país e no mundo. Mas se há ou não um nexo causal entre ambos os fatos, constitui uma vexata quaestio (questão controversa).

Não podemos descartar a hipótese de se tratar de uma mera coincidência tal como a que supostamente há numa relação inversamente proporcional como esta: o crescimento das esquerdas no Brasil nos últimos vint’anos segue passo a passo o encolhimento do desenvolvimento socioeconômico. Aceitar açodadamente que se trata de uma relação real é uma atitude extremamente preconceituosa: é como pensar que idéias de esquerda são necessariamente retrógradas e fadadas ao fracasso. Sendo assim, limito-me a constatar que a queda do nível intelectual do Itamaraty não data da época em que o Rio de Janeiro ainda era a capital, porém de algum momento após a transferência da mesma para Brasília. Talvez uma coisa nada tenha a ver com outra, mas talvez tenha, e muito.

É amplamente sabido que as provas para o ingresso na carreira diplomática eram rigorosíssimas, muito mais rigorosas do que as da OAB para a obtenção de licença para o exercício da advocacia. As da época em que o Rio ainda era a capital reprovavam menos candidatos do que as de hoje reprovam, o que não significa dizer que estas sejam mais difíceis, porém que os candidatos daquelas eram muito melhores. Reforça o que digo o fato de primeiro o francês, encarado como língua demodée, ter sido excluído das provas e depois o inglês, encarado como língua unfashionable, experimentar idêntica exclusão. Além disso, como pensam os espíritos bem-pensantes, o inglês é a língua do imperialista britânico e seu horrendo filhote: o americano. Yankees go home!, brada o perfeito idiota latino-americano e isto ecoa em toda América Latina encontrando muitíssimos ouvidos receptivos.

Ora, se é assim, nossos diplomatas estariam condenados ao monolingüismo tal como Itamar Franco, ex-embaixador do Brasil em Lisboa e em Roma (onde estava sempre acompanhado por um intérprete)? Não, de modo nenhum. A prova de espanhol é muito rigorosa. Só passam os que falarem e escreverem muito bem o idioma de Sancho Pança, de Che Guevara e do Mercosul. Por causa do intenso comércio do Brasil com países da América Latina que, nos últimos tempos, em todas as cidades grandes do país, têm pipocado cursos de espanhol prometendo fluência em seis meses ou seu dinheiro de volta. Além disso, como se sabe, este é o terceiro idioma mais falado no Ocidente, língua que se fala na Flórida, mas que também se fala em Cuba e na Venezuela.

Durante o regime militar, nossos diplomatas procuravam seguir a prescrição metodológica de Max Weber, que aconselhava a Wertfreiheit (isenção de valoração ou neutralidade axiológica). O próprio regime nunca os doutrinou para que adotassem a sua ideologia anticomunista, mas com o advento da Nova República começou um processo gradativo de esquerdização e alinhamento com países do terceiro mundo - um processo que quase chegou ao seu ápice quando a maioria dos brasileiros cometeu um erro do qual se arrependerá amargamente um dia: elegeu um metalúrgico aposentado, de um partido-sindicato, o PT-CUT, presidente da República. Como diz muito bem o diplomata da reserva, com 44 anos de carreira, Roberto Abdenur:

“Existe um elemento ideológico muito forte presente na política externa brasileira. A idéia do Sul-Sul como eixo preponderante revela um antiamericanismo atrasado. Isso tem se manifestado dentro do Itamaraty de diversas maneiras. Está havendo uma doutrinação. Diplomatas de categoria, não apenas jovens, são forçados a fazer certas leituras quando entram ou saem de Brasília. Livros que têm o viés dessa postura ideológica. É uma coisa vexatória. O Itamaraty não é lugar para bedel.” (Veja, ano 40, nº 5). Em rigor, não deve ser (must not be), mas infelizmente tem sido.

Mas cabe indagar: Que livros são estes que os diplomatas são obrigados a ler como se ainda fossem estudantes de faculdade? Ora, livros do tipo: Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, A História me Absolverá de Fidel Castro, A Economia Solidária de Paul Singer (um dos gurus do PT-CUT) und so weiter. E o que me parece mais grave: segundo Abdenur, “Há um sentimento generalizado de que os diplomatas hoje são promovidos de acordo com sua afinidade política e ideológica, e não por competência”. (Veja, idem, ibidem) Sentimo-nos autorizados a generalizar: não só no serviço diplomático, mas em quase todos os setores da vida pública, a ideologia esquerdista é mais valorizada do que a competência técnica. E onde a primeira encontrável a segunda raramente se faz presente. Estamos cada vez mais longe de uma meritocracia e cada vez mais perto de uma apedeutocracia. É mole ou quer mais?

Abdenur confirma algo que há muito já percebemos: a política externa de Excelso Amorim consegue ser mais gauche (canhestra, desastrada, esquerda) do que a assim chamada “política externa independente” do insaudoso San Tiago Dantas no (des)governo do olvidável Jango. Ela tem se caracterizado por um antiamericanismo pueril, um terceiromundismo retrógrado e um esquerdismo desvairado, que não só dá apoio a um ditador obscurantista como Hugorila Chávez como também aceita a entrada da Venezuela no Mercosul, só para Chávez dizer, na recente reunião no Rio de Janeiro, que “o mercosul é um cadáver que precisa ser enterrado”. De fato, precisa mesmo e ninguém melhor do que ele para ser o coveiro – ele que revelou querer voltar ao primitivo sistema de escambo semelhante ao dos Papua na Nova Guiné ou ao da Praça Vermelha em Moscou nos estertores do “socialismo real” quando Ronald Reagan dizia em Berlim: “Mr. Gorbachov tear down this wall”. Mas Abdenur prossegue dizendo:

“A esta altura da vida, com o mundo em transformação vertiginosa, não vale mais valorizar tanto a dimensão Sul-Sul. Isto é um substrato ideológico vagamente anticapitalista, antiglobalização, antiamericano, totalmente superado. Nossa relação com a China e com a Índia também apresenta equívocos. É preciso ter parceria com os dois países, mas eles não podem ser considerados nossos aliados”. (Veja, idem, ibidem).

Se bem entendi o que Abdnur quis dizer, podemos ser parceiros comerciais da China e da Índia, mas não aliados políticos. Se esta alternativa é totalmente inviável, aquela é extremamente perigosa. Ao menos no que diz respeito à China, ela pratica um “capitalismo selvagem” no comércio internacional, não respeita direitos de propriedade nem contratos internacionais, como no caso da importação de soja brasileira em tempos recentes.

Enfim, deveras interessante a entrevista do diplomata Roberto Campos, perdão: Abdenur. Só não apreciamos ele – que já não está mais na ativa do serviço diplomático - ter poupado críticas a Excelso Amorim e Samuel Guimarães, sob a alegação de que foram amigos um dia. Ora bolas, isto é fazer as relações pessoais prevalecerem sobre as relações públicas. Amicus Plato, magis amica veritas (Platão é amigo, mas a verdade é mais amiga). Contudo, muito pior do que poupar os dois artífices de uma política externa extremamente nociva para o país é fazer zumbaias e salamaleques para o artífice-mor de nossas Perdas Totais:

“A relação com os Estados Unidos prosperou significativamente nos últimos anos. Graças a uma pessoa que manda muito no governo [obs. minha: manda mesmo, manda até demais!], uma pessoa de extremo pragmatismo e lucidez, que é o presidente Lula.” (Veja, idem, ibidem) [obs. minha: Neste ponto, o referido diplomata mostra-se de pleno acordo com a filósofa Marilena Chauí (USP) quando esta mesma uma vez disse que “Quando Lula abre a boca o mundo se ilumina”.

Será que sou só eu que não consigo encontrar uma só qualidade nessa ilustre personagem e no seu (des)governo? Será que um preclaro diplomata como Abdenur, um ilustrado economista como Delfim Netto, uma profunda pensadora como Marilena Chauí e mais de 60% do eleitorado estão todos errados e um obscuro professor de filosofia da UFRJ – solenemente desconhecido pela grande mídia - está certo? Se eu acreditasse que a soma de muitos pontos de vista forma um consenso irrefutável, teria de reconhecer que estou errado, porém não acredito em semelhante bobagem. Prefiro pensar, como Nelson Rodrigues, que “toda unanimidade é burra” e apenas lembrar que, no sec. XVII, todo mundo - a não ser Galileu Galilei - tinha certeza de que a Terra era plana...


Nota do Editor: Mario Guerreiro é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).

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