A São Paulo Fashion Week ocupou um bom espaço da mídia nos últimos dias, mostrando que moda é hoje uma indústria poderosa. Mas é uma indústria intrigante, para dizer o mínimo. Não que os critérios da moda sejam irracionais; isto eles não são. Mas obedecem a uma outra, e misteriosa, racionalidade. Muito antiga, mas nem por isso facilmente compreensível. Ao longo do tempo, homens e mulheres vestiram-se de uma maneira que hoje desafia a nossa compreensão, assim como as roupas que usamos serão objeto de perplexidade para nossos descendentes. Tomem o caso do espartilho, que na segunda metade do século 19 era obrigatório para as mulheres ocidentais. Querem uma coisa mais incômoda e mais difícil de usar do que o espartilho? Para quem não sabe do que se trata (e é um bom sinal que muita gente não saiba do que se trata), era uma espécie de colete interno, amarrado com um cadarço, usado pelas mulheres. O essencial no espartilho era o recheio que lhe dava a forma. Este recheio era feito primeiro de crina de cavalo - daí o nome de crinolina - e, depois, de hastes de metal. Coisa ortopédica? Não, mais tarde os ortopedistas passaram a recomendar coletes para problemas de coluna, mas o espartilho não tinha nenhuma finalidade médica. Ao contrário, causava problemas, porque era apertadíssimo, dificultando inclusive a respiração. Mas por que as mulheres o usavam, então? Porque estava na moda. E porque criava uma imagem, a imagem da mulher de cintura fina, cintura de vespa, como se dizia. De novo vocês perguntarão: e por que cintura fina era um critério de beleza? E aí vem a explicação. Não era só a cintura fina, era o contraste entre a cintura e as cadeiras. Com cintura fina, a bacia parecia maior, impressão reforçada pelas anquinhas. E bacia maior significava que a mulher teria boas condições para engravidar, que não haveria problemas com o parto. Numa época em que a moderna obstetrícia apenas começava a engatinhar, isso era um critério importante, sobretudo na Inglaterra da Rainha Vitória, uma sociedade rígida, moralista e hipócrita, uma sociedade que oprimia as mulheres, consideradas máquinas de fazer filhos. Mas não pensem que só as mulheres tinham de se submeter a tais sacrifícios. Olhem a minissérie Amazônia e observem a vestimenta dos homens: sobrecasaca, colete, gravata, tudo escuro e pesado - em pleno trópico, santo Deus! Mas é que "elegante" era vestir como os europeus. E aí, dê-lhe roupa pesada e incômoda. Espartilho e sobrecasaca não são mais usados, mas as pessoas continuam sofrendo. Uma reportagem de uma revista italiana entrevistou quase mil mulheres, 82% das quais tinham alguma queixa em relação a vestuário: vestidos muito justos, sapatos de salto demasiado alto, tecidos que dificultam a transpiração. Quem sabe a comodidade e a liberdade passam a ser critérios de moda?
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