Acabara de jantar e me preparava para sair ao encontro de uma namorada da juventude, quando percebi que as éguas vinham de algum sítio das redondezas e tomavam o descampado defronte a minha casa, mas, em vez de me preocupar, admirava o espetáculo de seus vultos no escuro. Eram lindas, de fato, com ancas soberbas e um dorso sensual, quase provocante, que a palidez do luar nuançava discretamente. Ademais, seus lábios de carnadura rosada fuçavam cada palmo do terreno; à procura, na certa, de algum pasto, de capim novo que talvez brotara depois da chuva. No entanto, àquela hora estavam bem forradas e queriam apenas beber a água com leve sabor de barro que empoçara aqui e ali. Para tal, estendiam a musculatura elástica dos pescoços e desciam a cabeça até o chão. Duas ou três na mesma poça, sorviam deliciadas para matar a sede. Além de sombrio e misterioso, o cenário se excedia em beleza e, tanto me distraí na contemplação, que só depois de algum tempo me assustei: na sua sofreguidão, as éguas bebiam a gema opalescente da lua que cintilava à superfície. A continuar assim, não haveria mais luar! Pior: sem claridade, como encontrar a namorada? Tentei espantar o rebanho, em vão. Me apressei, então, antes que fosse tarde, mas quanto mais corria, mais a noite imergia em seus gomos obscuros. Indiferentes a mim, as éguas bebiam a lua na poça até o esgotamento, até a saciedade. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca, 54 anos. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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