"So convenient a thing it is to be a reasonable creature, since it enables one to find or make a reason for everything one has a mind to do." (Benjamin Franklin) De todos os absurdos que observei nas reações passionais aos meus artigos sobre religião, o que mais me chocou foi a impressionante tentativa de alguns em inverter o fato de que a ciência está mais aberta à crítica que a religião. Que havia algum debate dentro do Cristianismo, é fato. Que dentro do suposto campo científico existe o "cientificismo", um embuste que não respeita o método científico, é fato também. Mas chega a ser risível comparar a disponibilidade e estímulo ao debate dentro do campo científico com o que ocorre nas religiões de forma geral. Afinal, duvidar e questionar da própria fé já pode ser considerado pecado em alguns casos. Na ciência, como Popper sempre defendeu, as teorias pedem para ser refutadas, e o método científico consiste justamente nisso. Será que Maomé pedia para ter seus dogmas questionados? Os muçulmanos, de forma geral, estão mais abertos ao debate crítico que a Royal Society? Será que os papas cristãos recebiam com satisfação duras críticas aos dogmas de sua fé? Não vamos esquecer que o mito do Pecado Original declara que o homem comeu o fruto proibido, da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Deus havia ameaçado Adão, sob pena de sofrer com sua ira. Nem mesmo a pergunta inocente do que era o bem e o mal agradara Deus. No Jardim do Éden não havia espaço para questionamentos e conhecimento humano. Não havia lugar para a razão! O castigo para o homem foi o trabalho, posto que ele teria que arrancar com seu suor o alimento da terra. Adão e Eva perderam a pureza, que por esta ótica, nada mais é que ignorância absoluta e obediência cega, sem questionamentos. Eis o que alguns consideram um estímulo ao debate aberto em busca do conhecimento verdadeiro! Quem pode ignorar que a Igreja Católica criou a Inquisição e o Index Librorum Prohibitorum? Por acaso é uma postura adequada de quem defende o debate proibir a leitura de livros, sejam quais forem? Não parece a postura de ditadores socialistas que mandam queimar livros de autores liberais? Alguém imagina um cientista indo para a fogueira por questionar a teoria do "Big Bang"? Algum livro é vetado no meio científico, sob pena de punição para quem for pego com ele? O objetivo do Index era prevenir a corrupção dos fiéis. E isto pode ser comparado com a postura dos cientistas, por acaso? Isso lembra Hitler proibindo o livro de Mises, isso sim! Olavo de Carvalho, um dos que inverte a postura entre a religião e a ciência, minimiza a polêmica, afirmando em um debate do Orkut que "toda e qualquer organização tem o estrito direito de exigir que nas suas escolas seja ensinada a sua doutrina e não outra qualquer". Ou seja, para ele "não há nenhuma intolerância nisso", já que "o Index é precisamente isso, nada mais". Nada mais? Um índice de livros proibidos que durou até a metade do século XX não é nada demais e nem demonstra intolerância ao debate? Em 1948 ainda existiam cerca de quatro mil livros proibidos. Não é censura? Não é espantoso que autores como Galileu, Copérnico, Maquiavel, Erasmo de Roterdã, Espinosa, Locke, Pascal, Hobbes, Descartes, Rousseau, Montesquieu, Hume, Voltaire, Victor Hugo e Kant tenham pertencido a lista? Não é uma evidência de que o obscurantismo andava lado a lado com a fé dogmática? Curiosamente, o famoso livro de Hitler, Mein Kampf, nunca fez parte do Index, lembrando que Hitler se considerava cristão. O falecido Papa João Paulo II, cuja postura era admirável em vários aspectos, tentou conciliar a fé e a razão na Encíclica Fides et Ratio. Não convenceu, na minha opinião. Em determinado trecho, ele diz: "As vias para chegar à verdade continuam a ser muitas: mas, dado que a verdade cristã tem valor salvífico, cada uma delas só pode ser percorrida se conduzir à meta final, ou seja, à revelação de Jesus Cristo". Ora, vários métodos da busca da verdade são possíveis contanto que todos eles levem à revelação de Cristo? Isso me parece mais uma racionalização de emoções já existentes. O indivíduo sente algo, acredita em algo a priori, e parte para uma tentativa de justificar esta crença buscando coisas que confirmem o que ele deseja que seja verdade. Isso é bem diferente da postura científica séria, onde os cientistas honestos partem de uma tese e tentam buscar dados que contradigam-na. A mente humana costuma buscar confirmações para aquilo que já acreditava antes. Poucos são os que realmente desafiam suas crenças, procurando justamente aquilo que possa derrubá-las, provar seus erros. Não pode restar muita dúvida de que é na ciência, mesmo com seus defeitos, que encontramos com maior freqüência esta postura e este método, enquanto nas religiões vemos, normalmente, a necessidade de acreditar falando mais alto que o desejo de realmente conhecer. Nota do Editor: Rodrigo Constantino é economista formado pela PUC-RJ, com MBA de Finanças no IBMEC, trabalha no mercado financeiro desde 1997, como analista de empresas e depois administrador de portfólio. Autor de dois livros: Prisioneiros da Liberdade, e Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT, pela editora Soler. Está lançando o terceiro livro sobre as idéias de Ayn Rand, pela Documenta Histórica Editora. Membro fundador do Instituto Millenium. Articulista nos sites Diego Casagrande e Ratio pro Libertas, assim como para os Institutos Millenium e Liberal. Escreve para a Revista Voto-RS também. Possui um blog para a divulgação de seus artigos.
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