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Crônicas
20/02/2007 - 11h05
O grilo na varanda
Luiz Guerra - Agência Carta Maior
 

Não sei como o pilantra consegue viver tanto tempo sozinho, sem entrar em contato com ninguém da sua barulhenta turma. Pelo desespero com que todas as noites bota a boca no mundo, não atraiu ainda nenhuma fêmea ao canteiro de nossa varanda, para onde veio de mala e cuia, e está nesse cricrilar noturno há quase um mês, infernizando as minhas madrugadas. Por volta de meia-noite, o condomínio mergulha no silêncio, e os cricrilos ganham um volume descomunal. O som agudo e monocórdio entra-me pelas orelhas como um alfinete.

Cansado de fracassar nas tentativas de localizá-lo, caí na besteira de pesquisar um pouco na internete sobre os hábitos do inseto. Com isso surgiu uma dúvida crucial que pode fazer diferença na hora de assediá-lo. Ou seja, não tenho mais certeza, como antes, de que o meu grilo é realmente um Gryllus assimilis (grilo-preto). Se bobear, trata-se de um Anurogryllus muticus (grilo-marrom), o que vai exigir do cronista mais paciência e meticulosidade para desentocá-lo. Não é para menos. O assimilis, quando não está perturbando os outros, oculta-se sob torrões de terra úmidos e restos culturais; o muticus, mais profissional, constrói galerias subterrâneas, onde organiza a câmara nupcial e passa o dia afinando as nervuras das asas anteriores para o recital noturno. Recital, para as comadres dele; para mim, é puro escarcéu. Quando a noite sobe, vem com tudo das catacumbas, posta-se na boca da minúscula caverna, que é a sua zona de canto, e entoa essa eterna ária de uma nota só.

Além desses dois, mencionou-se também no Fred’s Burger, onde discuti o problema com o Zé Peru e o Águia Negra, o Acheta domesticus (grilo-doméstico ou grilo-das-casas), coisa que ainda vou verificar com um entomologista aqui do bairro. Tenho para mim que os dois parceiros de copo se deixaram levar pela obviedade do nome. Se fosse por aí, eu mesmo o chamaria de grilo-das-varandas.

Preocupada comigo, minha ex-mulher ligou e aconselhou-me a importar uma lagartixa-da-mauritânia ou um calanguinho do sertão nordestino, predadores eficazes dessas pragas de hortas e jardins. Vamos com calma, Betinha, é apenas um grilo, não um bando deles. Enquanto o gaiato não arranjar uma namorada...

E não vai arranjar. Já tomei providências (depois eu conto) para detectar qualquer aproximação muticus ou assimilis por parte de fêmeas. Ele, se quiser, vai ter de sair na mão para tirar o atraso. Minha esperança é justamente que morra de onanismo. Se não morrer pela boca. Aprendi em um sítio ecológico que os da sua espécie são polífagos, ou pantófagos, à escolha, e já começo a pensar em espalhar pelo canteiro alguns torrões de cinza de cigarro. Pode parecer crueldade, mas o cara não me dá outra opção. Se se deixasse capturar, numa boa, eu o levaria até o matagal do rio Tingüi, aqui perto, onde ele encontraria seus iguais e fêmeas a dar com o pau, literalmente.

No entanto, antes de partir de uma vez para o grilicídio, amanhã faço uma última tentativa. Orientado por um plantador de couve, comprei hoje à tarde uma lupa e um pequeno fisgador de palha seca. Se o malandro não colaborar entregando-se espontaneamente, vai morrer. Nem que eu seja obrigado a tocar fogo no canteiro.

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