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Crônicas
24/02/2007 - 05h59
Ofensas na rede, uma ficção sobre a realidade
Rosana Hermann
 

Eram quatro horas da tarde. Eu tinha acabado de terminar um texto que falava sobre ofensores anônimos da Internet. A redação era mais ou menos genérica, mas era óbvio que o tema central era um caso específico do meu próprio blog, que durante anos passava pelos comentários para deixar bolinhas de naftalina de um recalque muito antigo. Sem um nome verdadeiro e com apelidos flutuantes, faltavam-me dados para odiá-lo de volta. Não se consegue configurar sentimentos pelo que não tem nome e o ser humano ainda não é capaz de odiar o conjunto de números de um IP. Mas eu intuía que deveria ser alguém que estava fisicamente próximo ou que, ao menos, me conhecia pessoalmente.

Assim que enviei o texto por email voltei ao blog para publicar um novo post. Antes, cumpri meu ritual de ler os comentários deixados nas horas anteriores. E eis que, entre algumas dezenas de mensagens, lá estava ele, o mesmo, o de sempre, porém com uma carga de virulência muito maior que em qualquer das vezes anteriores. Era uma coisa grosseira, tosca, baixa mesmo, tanto em relação ao linguajar quanto no conteúdo totalmente sem nexo. Brotado assim do nada e sempre inoportuno e nojento como um furúnculo.

Minha primeira reação foi de responder. Mas me contive. Sei que este tipo de covardia vem sempre recheado de uma indescritível carência de atenção e decidi não entrar no jogo. Liguei para alguns amigos e dois advogados e decidi gastar o que fosse necessário para descobrir quem era. Eu sentia uma compulsão semelhante àquela do jogador de pôquer que, mesmo sabendo ter perdido o jogo ainda assim paga para ver.

Como administradora dos comentários eu poderia simplesmente apagar o texto e esperar pelo próximo mas, neste caso, eu estaria destruindo a evidência necessária para abrir um processo. Por outro lado, deixar aquela grosseria ali poderia comprometer um futuro trabalho na rede já que o possível contratante estava freqüentando o blog diariamente para acompanhar sua evolução. Optei por deixar o texto ali, da forma como foi gerado. E esperei.

Três meses e seis mil reais depois meu advogado me ligou dizendo que tinha boas notícias: depois de alguns obstáculos o juiz havia decretado que o provedor de acesso liberasse os dados completos do agressor. Meu coração disparou. Embora parte dessa taquicardia fosse a alegria de enfim alcançar um objetivo havia o medo da descoberta. Muitas vezes, não saber é mais confortável do que encarar uma realidade chocante. Poderia ser qualquer pessoa, desde um desconhecido ilustre a um colega indigno.

Continuei fazendo meu blog, sem mencionar uma única palavra sobre os bastidores deste processo. Uma semana depois, o escritório me liga. O sigilo estava quebrado e os dados estavam disponíveis para mim. Fiz a ligação e formulei a pergunta de seis mil reais: qual o nome dele?

- Dele não, dela - respondeu meu advogado. E, em seguida, leu seu nome completo, endereço, cep e profissão. Tive vontade de rir. Gastei todo meu dinheiro por falta de auto-confiança. Era exatamente quem eu suspeitava ser. Uma mulher que trabalhou na mesma empresa que eu. Um ser humano horrível, do tipo que mistura vodu, magia negra, cocaína e muita inveja num mesmo caldeirão de bruxa. Nem por um instante pensei em entrar em contato ou pedir uma indenização. Não fiz nada. Agradeci, combinei o último pagamento e desliguei.

Entendi naquele momento que não era só uma questão de justiça ou de vingança, mas apenas de competição. Não era eu que queria desmascarar ou punir o ofensor, era apenas meu ego querendo se impor. Nos parâmetros do meu ego estúpido, eu venci. Minha inimiga era uma mulher assustadoramente feia, infeliz, solitária, viciada, desagradável, que cheirava enxofre. Não havia mais nada a ser feito, uma vez que ela já estava condenada à pior das punições: continuar sendo ela.

Saiu caro, doeu, custou-me noites de sono. Mas eu estava tranqüila: eu sabia que a ofensora era ela, mas ela não sabia que eu sabia disso. E este prazer perverso do conhecimento ninguém poderia tirar de mim.

Voltei aos arquivos do blog e deletei seus cinco anos de ofensas, sentindo algo muito próximo da compaixão.


Nota do Editor: Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.

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