Excertos do inesquecível desafio acontecido na Freguesia de Livramento, tendo de um lado Diógenes, o Iluminado, e de outro Miguezinho, o Obscuro. A noite cai sem luar sobre aqueles sítios, tornando Miguezinho ainda mais obscuro e Diógenes ainda mais iluminado. DIÓGENES, O ILUMINADO:
Fique sabendo, meu caro Que a miséria que o assola É uma praga que extrapola Sua tacanha visão A história bem demonstra Que a escravidão subsiste Se a ignorância resiste Às luzes da evolução A questão é dialética E esbarra na problemática Da conjuntura caótica Do tecido social O contexto sociológico E quiçá o antropológico Tem raízes que transcendem A explicação racional MIGUEZINHO, O OBSCURO:
Não entendo patavina Dessa sua língua enrolada O amigo faz piada Ou tá a fim de me humilhar? Eu posso não ter diproma Não domino seus assunto Mas me basta o meu bestunto Pra na lida me virar Depois tem outra, seu moço Quem lhe chamou por aqui? Já chega cagando regra Pra quem não pediu conselho? Meta-se com sua vida E guarda as fala difícil Pra gastar com suas nega Ou gente do seu ofício DIÓGENES, O ILUMINADO:
Ó, povo anestesiado Um pouco de ilustração Nunca é demasiado Não vê que não é deboche Só estou querendo alertar Vai querer ser um fantoche E se deixar dominar? Leia Rousseau e Voltaire Kant, Platão e Altusser Mate sua fome com Sartre E sua mulher Beauvoir Só assim pra aniquilar O que o poder impuser MIGUEZINHO, O OBSCURO:
Enfia a viola no saco E guarde num emborná Muito bem arrumadinho Todo esse seu blá-blá-blá Esse conversê me cansa Não faz chover na minha horta Nem faz render as pataca Que eu custei pra ajuntá Só pro seu conhecimento Em casa toda a mobília Mais o radinho de pilha Eu comprei dum camelô Que é muito meu camarada Companheiro de embolada Fez um baita de um desconto E fiado não negô Das veiz eu faço uns biscate A patroa é faxineira Meu menino é engraxate Se Deus do céu ajudar Ano que vem, mais tardar, Vamo comprar um DVD DIÓGENES, O ILUMINADO:
Ora, me poupe as minúcias Suas pequenas astúcias Informais estratagemas Do seu pobre ganha-pão Esses seus expedientes São meros paliativos Esforços inconsistentes De foro emergencial MIGUEZINHO, O OBSCURO:
Chega de prosa fiada Tá na hora da novela Dispois tem o big bróde Muié de perna roliça Que eu gosto de admirar Se quer ficar, me arrespeite Se não eu chamo a poliça Que vai lhe trancafiar Me deixa aqui no meu canto Que, como bom repentista, Quero morrer de repente Morrer de tanto cantar
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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