Com o fim do chamado horário de verão andei meio desorientado. Acordava de madrugada e esperava ansioso que o dia amanhecesse. A espera era tanta que chegava a elaborar umas crônicas, fazer um soneto ou escutar todo um concerto. Comecei a desconfiar que não se tratava apenas de insônia, característica da idade, sabendo que o sono diminui à medida que a idade avança.

Mas talvez nem fosse isso. Talvez a insônia viesse do mesmo jeito, com ou sem horário de verão.

Felizmente, pelo menos no meu caso, a insônia não é má conselheira. Pelo contrário. Permite acesso aos escaninhos da memória e me faz voltar no tempo, para colher os frutos de uma infância feliz, seguida de uma juventude tumultuada.

Outra benesse da insônia é o sonho que misteriosamente povoa a nossa mente, quase sempre possuída pelos mistérios insondáveis. Acordo-me à beira do abismo, ou quase, numa espécie de clímax, às vezes apnéia, às vezes polução noturna. Ou quem sabe os dois episódios ao mesmo tempo. Afinal, ambos são de tirar o fôlego.

Não quero que saibam de minhas fraquezas, já que fui criado no mais puro estilo agreste. Não contei a ninguém do meu amor, como se guardá-lo na intimidade fosse uma vantagem. Não, não era. Sequer seria a menor demonstração de nada, era apenas medo. Repeti esse procedimento quando encontrei outra. Era a segunda vez que cometera um erro incorrigível. Mais a terceira. E mais uma, que seria a última.

Só não perdi o céu, que ainda é igual àquele que me deleitava à noite, quando não havia nenhuma nuvem entre o chão e as estrelas. Como buscava uma explicação, e como busco, inutilmente!

Não sei a quem pedir perdão ou se me perdoariam. Não sei se é o caso de fazer as perguntas que gostaria de fazer ou guardá-las para sempre, não esperar as respostas que não virão. Pode ser que não sejam as respostas de que necessito. Pode se que não suporte, embora tenha suportado até agora os desígnios que se me impuseram.

Não é fácil segurar a mão de um desvairado.

Nota do Editor: Flávio Tiné é jornalista, cronista e poeta bissexto. (tine@estadao.com.br).