"Duas mãos trabalhando fazem mais que milhares rezando." (Anônimo) Está para ser canonizado pelo Papa Bento XVI Frei Galvão, que será o primeiro santo brasileiro. De acordo com relatos da época em que viveu, de 1739 a 1822, o frade franciscano encontrou um rapaz gritando de dor causada por um cálculo renal. Frei Galvão teria escrito num pedaço de papel uma oração, inspirado por Nossa Senhora, e teria enrolado esse papel na forma de um pequeno canudo, dado ao enfermo, que deveria então engolir em três pedaços o papel. O homem teria expelido a pedra e sarado. Um milagre! Será mesmo? Chama-se milagre aquilo que a ciência ainda não conseguiu explicar. Curas sem óbvia explicação aparente, atribuídas a alguma divindade. Mas creio que devemos aplicar um pouco de Karl Popper nisso, buscando a refutação do suposto milagre em vez de sua confirmação. Não custa lembrar que a epilepsia, hoje perfeitamente compreendida pela ciência, já foi vista como intervenção divina no corpo nos tempos de Alexandre O Grande e Júlio César. Será que nossa atual ignorância é motivo suficiente para atribuir uma cura desconhecida a algum milagre divino? Ainda hoje são produzidas pelo Mosteiro da Luz e distribuídas aos fiéis milhares de pílulas com a oração escrita pelo religioso. Tanto a revista Veja como Época trazem, como matéria de capa, o assunto, colocando em evidência alguns casos extraordinários que são creditados ao milagre das pílulas. Um filho que nasceu depois de uma gestação difícil ou a cura de um caso de hepatite. Mas Popper iria perguntar quantos casos fracassaram com o consumo da pílula, ou quantos outros casos tiveram curas ainda inexplicáveis sem pílula alguma. Eis a postura de quem realmente busca a verdade. Não vale afirmar que os casos de fracasso, infinitamente maiores que os de sucesso, ocorreram por falta de fé verdadeira dos pacientes. Ou que os demais casos raros de cura sem explicação também são obras divinas, mesmo que em doentes ateus. Assim estaríamos diante de uma tautologia, onde o crente está sempre certo, pois não é possível refutar seu próprio conceito de milagre divino. Sei que esta postura cética costuma incomodar muitos que precisam acreditar no milagre. Mas aceito o fardo de chato por considerar que a postura contrária, de crer automaticamente no milagre, gera efeitos negativos à sociedade. O principal deles, a meu ver, é a passividade. Stephen Covey coloca isso de forma direta quando afirma que "pegar força emprestada de fora constrói fraqueza, porque isso alimenta dependência em fatores externos para fazer as coisas acontecerem". Em outras palavras, quando alguém realmente acredita que um pedaço de papel e uma reza são tratamentos mais eficazes que aqueles da medicina convencional, pode-se deixar de buscar o método que realmente oferece maior probabilidade de cura. Não é preciso ficar apenas no campo da medicina, ainda que este seja um dos mais relevantes de todos. Podemos verificar a passividade que a fé de que o Santo Expedito irá realmente resolver as causas urgentes pode gerar nos fiéis. Se um santo vai resolver meus problemas, posso ficar mais acomodado e batalhar com menos afinco para resolvê-los por conta própria. Ou então a crença de que o Santo Antônio irá de fato arranjar um companheiro para a noiva em potencial, que fica na esperança de que um príncipe encantado irá bater à sua porta. Não é por acaso que os principais clientes de tais superstições são pessoas desesperadas, apelando para qualquer coisa que possa aliviar o sofrimento. Ocorre que normalmente o término do sofrimento depende da própria pessoa, não de santos. Se alguém vira santo porque realizou algumas curas que a ciência ainda não pode explicar, o que deveriam virar aqueles que realizam milhares de curas explicáveis pela ciência? Os testes de novos remédios costumam contar com um percentual de placebos, dados a uma parte das cobaias. De tempos em tempos, alguns dos que tomaram o placebo demonstram uma cura similar aos que tomaram o remédio verdadeiro. Mas para o remédio ser aceito, é preciso que seu poder de cura seja real, com elevado grau probabilístico. Afinal, se não fosse esse o caso, bastaria dar açúcar para todos e esperar os "milagres" aparecerem. Não é assim que se faz ciência, por sorte dos consumidores enfermos. Compare-se o milagre de uma ou outra cura aleatória que a ciência ainda não explica com a cura quase certa daqueles que tomam um remédio testado por laboratórios. Qual é o mais importante? Não é um milagre que qualquer um possa comprar por poucos centavos uma Neosaldina e com quase certeza acabar com uma irritante dor de cabeça? Não é um verdadeiro milagre que a Pfizer, em busca do lucro, tenha colocado à disposição de milhões de pessoas uma pílula azul que elimina o problema da impotência? Santa Pfizer! Enfim, o verdadeiro milagre não é o fato de que vários laboratórios, em busca do lucro, acabem ofertando tantos remédios no mercado, possibilitando maior conforto e qualidade de vida para tanta gente? Mas parece que as pessoas atribuem maior valor às intenções que aos resultados. Agnes Gonxha Bojaxhiu, mais conhecida como Madre Teresa de Calcutá, é citada por muitos como exemplo de dedicação altruísta. Mas será que podemos comparar os resultados concretos que suas ações geraram com aquilo que o ateu individualista Bill Gates fez pela humanidade, gerando milhões de empregos mundo afora, que possibilita uma vida mais digna para essas pessoas? Isso sem falar dos seus bilhões gastos em filantropia, como os investimentos para a cura da malária. Quem merece mais o título de santo? Não dizem que no inferno pululam as boas intenções? Por que então devemos valorizar mais um suposto altruísta que pouco faz pelo mundo em vez de um egoísta que gera resultados fantásticos para a humanidade? Tenho um pouco de dificuldade para entender esta lógica, que coloca supostas intenções, sempre incertas e desconhecidas, acima de resultados concretos e objetivos. Tudo bem, o Brasil terá seu primeiro santo. Mas que os brasileiros entendam que a pílula milagrosa mesmo não é aquela de papel e oração, mas sim aquela que o laboratório oferece, após rigorosos testes, para curar de fato os enfermos. Nota do Editor: Rodrigo Constantino é economista formado pela PUC-RJ, com MBA de Finanças no IBMEC, trabalha no mercado financeiro desde 1997, como analista de empresas e depois administrador de portfólio. Autor de dois livros: Prisioneiros da Liberdade, e Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT, pela editora Soler. Está lançando o terceiro livro sobre as idéias de Ayn Rand, pela Documenta Histórica Editora. Membro fundador do Instituto Millenium. Articulista nos sites Diego Casagrande e Ratio pro Libertas, assim como para os Institutos Millenium e Liberal. Escreve para a Revista Voto-RS também. Possui um blog para a divulgação de seus artigos.
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