A vida anda muito barulhenta. As pessoas se sentem no direito de gritar pelos motivos mais injustificáveis, e não apenas com palavras, mas com o corpo todo e com as extensões do corpo. Gritam na nossa cara, quando param em fila dupla, como se dissessem: "eu sou especial, posso lhe atrapalhar à vontade, você não tem nada com isso!". E nós respondemos igualmente em alto e péssimo som, acionando buzinas que soam como a promessa de um livro de auto-ajuda: direto no "âmago" do ser. (pra quem não sabe, o âmago do ser é o tímpano).

Mas o caso é que com tanto barulho fica difícil pensar no "outro" como sendo o nosso próximo, como pregou Jesus, esse sujeito extraordinariamente paciente. Há momentos, vários, em que quero o outro bem distante, pra que o silêncio supere o instinto quase material de infringir o "não matarás". Sugestão de um descrente aos neo-religiosos: acrescente-se à tábua a décima primeira lei, "não levantarás tua voz acima de 40 decibéis".

Nem o planeta escapa à mania do grito, e emenda: "tá aumentando a temperatura, pára de poluir!". Mas a algazarra é tanta que não se ouve ou, ainda, tanto melhor seria se não ouvíssemos, o fato é que apenas não entendemos, por que há mais e mais sons impregnando o espaço.

A falta de educação tem muitos watts de potência, e o pior é que ela se propaga no vácuo fartamente disponível da programação televisiva. As crianças, insensíveis a qualquer estímulo que não seja audiovisual, vão aprendendo desde o útero a difícil arte de desconsiderar o tal do "outro". Difícil, por que enraivecer e encolerizar é um talento para poucos. Tá bom, não são todas as crianças, vai. O seu filho deve se salvar.

E o volume aumenta. Chega no dez, "no talo", e só pode ter sido isso que impediu aqueles seres viventes de ouvirem que não se deve arrastar outros seres viventes, a carne é fraca, ela rasga e sangra, não se faz isso, meu Deus! Não se faz isso. Paremos de gritar, por um momento. Paremos de gritar, para começarmos a escutar o que querem dizer essas tragédias. Quem sabe a TV não ajuda, passando reprises intermináveis de Ben-Hur, pra vermos o que acontece quando se arrasta a carne. Pode deixar no mudo, que o efeito é o mesmo.

Nota do Editor: Leobaldo Prado é jornalista.