Ninguém precisa mais ir ao Nordeste para experimentar o calor senegalês. O termômetro aqui pertinho está marcando 29º C à sombra, num domingo qualquer de março. Estamos em Sampa, suando qual nordestino em pau-de-arara. A meninada paulistana invade as praças e toma banho nos pequenos tanques, ignorando os perigos de contaminação. Todos querem alívio urgente, não importando detalhes como dengue ou leptospirose. As lajes da periferia e as piscinas das coberturas dos prédios estão cheias de biquínis coloridos. Ninguém precisa preocupar-se com o destino de José Dirceu, cuja cassação poderá um dia ser revogada. Julgado e condenado a perder os direitos políticos, ele poderá ser inocentado pelos mesmos colegas que enredaram sua queda, ou por algum tribunal. Em sua defesa, alega inocência. Eu também. Não recebi nenhum mensalão. Ninguém precisa temer a transposição do rio São Francisco. Se aprovada, vai rolar a festa. Cada deputado reivindicará a construção de um canal que passe em sua cidade ou região. Quem puder, compre terrenos entre Petrolina e Serra Talhada. Foi lá que certo deputado arou suas terras com tratores da Sudene. Agora, com certeza irá irrigá-las com recursos da transposição. Quanto ao calor senegalês, não se preocupem com minhas queixas. Vou ao clube onde tudo é bonito, até os arranjos de mesa do bufê. Onde nem parece Ipanema, mas é. Onde não parece Hollywood, mas tem cinema. Onde nem parece São Paulo, mas é, principalmente nos congestionamentos para chegar, entrar e sair. O calor humano não é lá essas coisas, é verdade. Na piscina, cada um escolhe sua raia como se estivesse escolhendo uma montaria. E ai de quem sentar na cadeira em que se expõem ao sol as partes pudicas. No bufê, cada um pega seu prato como a criança que teme o bote do irmão, ou escolhe aquela porção como se fosse a última. Mas ninguém precisa se preocupar com eventuais manifestações de egoísmo. Olhem o melhor, o resultado da malhação individual, as ninfetas em flor e os aviões que a cada cinco minutos imitam os pássaros no céu azul do Morumbi. Nota do Editor: Flávio Tiné (tine@estadao.com.br) é jornalista e poeta bissexto.
|