Pensei em dar um outro título a essa crônica: "O malogro de Jesus". Talvez não fosse mesmo totalmente impróprio falar-se de um possível malogro de Jesus, de suas idéias ou ideais. O malogro da sua semeadura, das suas palavras e ensinamentos. Da sua pregação, na qual exaltava o amor ao próximo, a fraternidade, a compaixão, a justiça; seu desprendimento revolucionário etc. Talvez fosse mais correto apontarmos, em última instância, para o malogro do próprio homem, da humanidade. A frustração de nosso intento civilizador. Civilizador!? Sim, o nosso revés já vem de há muito. E vem sendo construído passo a passo, pecado a pecado, erro a erro, barbárie a barbárie, genocídio a genocídio. A humanidade malogrou na "Santa" Inquisição. A humanidade malogrou em Hiroxima e Nagazaki; no holocausto. Malogrou por omissão diante do genocídio e quase extermínio de tantos povos, culturas e até nações. Seja na Bósnia ou em Ruanda - milhões continuam morrendo todos os anos feito moscas (com o perdão do mau gosto da triste figura) na África em decorrência da AIDS. Malogrou, diante das lentes das câmeras de TV, nos escombros dos prédios do World Trade Center, que despencaram como que em câmera lenta diante de nossos olhares perplexos/incrédulos, matando mais de dois milhares de inocentes. Malogrou no Afeganistão e agora, no Iraque. Agora, veja bem, se nem as idéias de Jesus, que são, há muito, propagadas nas mais diversas igrejas e religiões; se nem as suas idéias, tão singelas e essenciais, floresceram e frutificaram, com tantos defensores e "divulgadores" por aí, mundo afora, imagine você, prezado leitor, que pretensão esse cronista poderia ter quando rabisca aqui, todas as semanas, suas ordinárias palavras. E, não me entenda mal, quando aqui me reporto a Jesus. Não me refiro ao suposto homem santo a quem dirigimos nossas preces e penitências; refiro-me ao homem que, dotado de pensamentos e práticas revolucionárias, pretendia, com fabulosa imaginação, através de gestos, palavras e idéias, transformar o mundo. Pretendia. Jesus malogra, todos os dias, a cada homem, mulher, idoso ou idosa que é massacrado diuturnamente nas ruas das grandes cidades, vítimas da fome, da falta de assistência, da bala perdida de um tiroteio "de rotina", das chacinas na calada da noite nos bairros periféricos, nos presídios, nas Febem. Sim, Jesus também malogrou - ou teria sido, definitivamente, o próprio homem e seus valores?
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