Há um enigma que permeou a formação do novo ministério de Lula: ele reduziu a participação do PT, como que despetizou a Esplanada, esnobou aliados tradicionais como PSB e PCB do B, entregando de bandeja um naco grande de poder ao PMDB, invertendo a lógica de composição de todo o seu primeiro mandato. Haverá uma inteligência política ampliada nesse gesto? O que ele revela ou, melhor, o que ele esconde? O PMDB, o novo astro da Esplanada, teria que fazer parte relevante em qualquer governo no Brasil, mas não necessariamente nessa proporção. Se Lula e o PT fossem governantes “normais” eu diria que o movimento foi uma acomodação realista para garantir a governabilidade e talvez viesse a ser o produto do aprendizado com os enfrentamentos do passado, que tumultuaram todo o primeiro mandato. Penso, todavia, que essa explicação, menos por ser óbvia e mais por ser falsa, engana a opinião pública. Só em um ponto o apoio do PMDB é decisivo para a estratégia do PT e de Lula de perpetuarem-se no poder dentro da ordem legal: aprovando, com sua grande base parlamentar, uma emenda constitucional que permita a recondução, pela terceira vez, de Lula à Presidência da República. Todos os ensaios nessa direção estão sendo feitos. O recente abortamento da CPI da crise do setor aéreo mostrou que o governo tem completo domínio das duas Casas do Congresso. Penso que é uma questão de tempo que uma emenda constitucional nesse sentido venha a ser apresentada. O fortalecimento da comunicação social do governo, com a posse de Franklin Martins nesse setor, revela também que o grau de profissionalismo aumentou aqui, saindo de cena o voluntarismo revolucionário pueril e entrando em cena a comunicação de resultados. Um olhar largo sobre o que acontece no ministério e no Parlamento só pode levar à convicção de que o Brasil, tão cedo, não vai se livrar da malta petista que tomou conta da República. E nem de seus aliados mais retrógrados, como José Sarney e Jader Barbalho. Essa simbiose histriônica de personagens revolucionários e patrimonialistas da velha estirpe dá o grau de medida do artificialismo das alianças firmadas. Mas tudo pelo “social”, isto é, pela recondução de Lula a um novo mandato. * As declarações do novo Advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, sobre os devedores do Fisco são de um primarismo e de um totalitarismo perigosos para o Brasil. Uma autoridade dessa envergadura não pode escorregar para chavões da luta de classes mais rasteira, ignorando os fatos como são. Toffoli prega a tolerância zero contra os maiores devedores que, segundo ele, são os mais ricos. Isso é falso. Quanto mais se deve, mais pobre fica-se, algo elementar. Qualquer brasileiro que trabalha, seja ele empresário ou assalariado, sabe que sua vida torna-se um inferno se dever algo ao governo. Seu nome vai direto para o Cadin e sua vida econômica fica inteiramente prejudicada com essa hedionda ação burocrática. Só devem aqueles que, por contingência da vida, não têm alternativas. E disse mais (está no Estadão de hoje, 25/03): “A proteção ao devedor é uma proteção ao sonegador. É uma proteção aos mais endinheirados do País. É um fato histórico. Essa proteção do devedor, eu não tenho dúvida, é uma proteção aos donos do capital”. Só um burro e mal intencionado para fazer uma afirmação dessas. Confundir inadimplente com sonegador é má fé para quem tem formação jurídica específica. E mais das vezes os grandes devedores do governo são seus próprios organismos. O que o Advogado-geral propõe implicitamente é rito sumário nazista para a cobrança da dívida ativa, o que contraria o Estado de Direito na base. Ninguém pode ser cobrado sem prévia e ampla defesa, sem esgotar a instância judicial de argüição, até porque boa parte dessa cobrança costuma ser indevida, oriunda de ações fiscais exorbitantes e ilegítimas, mais das vezes ilegais. Conheço muitos casos assim, verdadeiras injustiças praticadas ao arrepio da lei. Fiscais freqüentemente usam os métodos daqueles policiais de São José do Rio Preto, que multavam os passantes na rodovia que margeia a cidade sem que houvesse infração alguma. Esse Toffoli parece ser um perfeito advogado do Diabo, bem apropriado ao governo Lula. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas na FGV-SP.
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