Imagine um cantor. O rapaz canta bem, constrói uma carreira e faz sucesso. As mulheres adoram sua voz, seu jeito de cantar, seu charme. Acham o rapaz bonito. E juntando o talento com a beleza, começam a sonhar com ele. Criam fantasias com ele. Colam o pôster encartado na revista na parede do quarto e sonham acordadas com ele ali na cama. Além de consumir a voz, consomem também seu físico, ainda que no mundo da imaginação. Acontece que o cantor por acaso tem uma orientação sexual diferente daquela que todos imaginam. Ele é gay. Nunca se assumiu porque não é o caso. Sua profissão é cantar e o fato de ser gay não interfere em sua voz. Mas faz diferença para seu marketing. Ele sabe que hoje o que vende não é apenas o talento, mas todo um mundo de ilusões que inclui o fato dele parecer machão. Um dia o cantor se apaixona e não consegue mais segurar a onda de disfarçar sua condição. E assume seu relacionamento com outro rapaz. As vendas de CD caem vertiginosamente. O sucesso acaba. Ele cai no ostracismo. Não por falta de talento, mas apenas porque o público não aceitou ter sua fantasia frustrada. Histórias como esta acontecem o tempo todo. Por mais que se combata o preconceito oficialmente, por mais que as leis punam atos explícitos de homofobia é difícil driblar o mercado construído em cima da heterossexualidade estrita. Os empresários sabem, os artistas sabem, o mercado sabe. E é justamente porque todos sabem o que acontece quando um artista assume sua condição de gay, seja homem ou mulher, que tanto se mente na mídia. E para mentir é preciso uma rede de amigos que ajude a acobertar o que não é para se descoberto. Muitos artistas gostariam de sair do armário mas sabem que há tantos perigos do lado de fora do guarda-roupa que preferem ficar ali no cabideiro. A única saída é contar com o apoio de outros amigos gays e de simpatizantes dentro da própria mídia. Amigos que divulgam falsos romances entre artistas homens gays e mulheres solitárias para manter as aparências, amigos que acobertam casamentos entre rapazes gays e mulheres contratadas para fingir que são esposas, amigos que compreendem a necessidade que um artista gay tem de alugar uma barriga para poder ter seus filhos. Há também muitas artistas lésbicas que, em não podendo assumir relacionamentos com outras mulheres, casam com alguém por conveniência para sustentar a imagem esperada. Pensando bem, deve ser muito doloroso viver a dicotomia de ser uma pessoa pública e precisar esconder suas mais profundas verdades. Seria injusto dizer simplesmente que a mídia é mentirosa. O mais correto seria dizer que o público conservador não está preparado para aceitar a verdade verdadeira, por assim dizer. O público prefere ficar na ilusão, na incerteza, para não ter seus castelos de sonhos destruídos. E para manter este mercado dos sonhos a mídia coloca mentiras à venda todos os dias, em todo o lugar. O único reduto onde a verdade ainda tem espaço é o jornalismo. Mas este, também, coitado, está tão comprometido com interesses comerciais, ideologias patronais, que mal consegue se sustentar nas bases mínimas da realidade e da ética. A verdade não faz sucesso. A verdade não vende. E no capitalismo, tudo o que não vende tende a sair de linha. Um dia, a verdade vai entrar em extinção. E aí, você vai ficar com a sua e eu, vou ficar com a minha. Nota do Editor: Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.
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